Sofia recebe um presente
A voz de Pedro ficou pendurada nas orelhas de Sofia, que se confrontava com mil dúvidas e desejos explondindo de uma só vez na cabeça tão inocente e sozinha. Não falou nada e se permitiu ficar no susto de ter viva a voz mais linda do mundo. Os soluços do choro recente denunciaram sua presença do outro lado da linha telefônica, então.
- Sofia? Você tá chorando?
- Sim, quer dizer... tava chorando. Já passou, esquece.
Mas ela não sabe ainda que mentira assim é isca para ser descoberta. Pedro imediatamente ligou os fatos da lágrima salgada que antes havia descido pela pele macia do rosto da menina no parque. A imagem de um suposto ciúme fez o peito do garoto ser atacado por uma ardência e fisgada repentina, e de repente veio a sensação da garganta se apertando só de imaginar ter causado qualquer ínfima dor em Sofia.
- Sofia?
- Quê?
- Desculpa, eu não queria... quer dizer, eu gosto tanto de você. Foi culpa minha, né?
-...
- Ah, eu sabia! Eu sou um idiota, cara! Sério, eu sou muito burro, que trouxa!
Isso fez repercutir um acesso de risos dos dois lados da ligação, súbito, alegre. Puro. Todas as horas de choro e tristeza, a quase desidratação por conta das lágrimas viraram pó em um segundo. Uma mistura mágica e perigosa tomou conta do corpo todo de Sofia, que agora tinha percebido que ele realmente sabia. Sentiu raiva e pavor de si mesma, por ter deixado ser notada e ser desarmada dessa maneira, de deixar arrancarem seu escudo protetor e ficar sem defesa alguma. Nua e exposta diante do amor, tão assustador ainda para ela. Será que teria chance de ser recíproco? Aquela ligação significaria alguma coisa? Ela ainda não sabia, mas significaria tudo.
- Olha, eu também gosto muito de você, Pedro. - disse ela, sorrindo em frente ao espelho do quarto com tanta vontade de passar o sorriso pelos furinhos do telefone para chegar até ele.
Queria mostrar o sorriso cheio de magia e pensamentos bonitos, que fazia a boca doer de tanto sorrir, enquanto admirava o próprio rosto inchado e vermelho que contrastava aos lábios. Era a alegria mais sincera que experimentara em dias, repleta de possibilidades de cura e de um sentimento que poderia ser compartilhado, mútuo, aberto. Pedro não ficava para trás nessa, não. Parecia que uma coisa muito branca, muito plena, muito forte se espalhava da ponta dos dedos até o mais fundo do peito, tornando as risadas mais vivas e a vontade de ficar cada vez maior, se desenrolando durante a conversa. Vontade de ficar, ficar exatamente ali aonde estava: tão dentro dela.
No dia seguinte, Sofia acordou com uma disposição diferente, bem mais ampla. Sorriu, deu bom dia (justo ela que detestava conversas matinais, por conta do mau humor), preparou um café da manhã para todos e sentiu um frio na barriga pior do que de primeiro dia de aula no caminho do colégio. Mas era um friozinho alegre, intenso, que faz o coração rir. Ele estava lá, com as mãos dentro dos bolsos da jaqueta e pescoço encolhido por conta do frio da manhã, sorrindo mas de lábios fechados, com os olhos meio inclinados e apertadinhos. Ele ficava tão lindo assim, parecendo criança, que de ímpeto o pensamento a fez correr e dar o abraço mais apertado e demorado que ela conseguiu. Então ele segurou o rosto de Sofia com as duas mãos, e ela ansiou por um beijo prematuro e quente, mas ele olhou bem em seus olhos de água verde e concedeu-lhe um carinhoso e demorado beijo na testa. Ela ficou tão boba que nem percebeu o bilhete deixado discretamente no bolso de sua blusa. Pedro sentiu tudo acontecer muito rápido de uns dias atrás para este, em que queria poder estar o tempo todo rindo e conversando com Sofia. Talvez nunca tivesse reparado tanto nela, nem se preocupado tanto como no dia da ligação. As coisas haviam mudado, e algo bonito crescia por dentro. Na sala de aula, ao colocar as mãos distraidamente nos bolsos, Sofia percebeu um pedaço de papel tímido ali. Com estranheza e curiosidade, abriu a folha de caderno com a letra torta de Pedro. Dentro, duas frases cuidadosamente escolhidas: "Posso ficar? Eu quero que você fique.", fizeram as mãos tremerem e o coração acelerar como ao desembrulhar um imenso presente.
Parecia que os minutos se estenderam bem devagarinho até o intervalo, que teimava em demorar a chegar. E quanto maior o tempo, maior o nervosismo da menina de cabelos dourados e olhos verdes. Um amor novo em mãos, que precisava de tanto cuidado, carinho, proteção. Tudo tão inevitável, um sorriso lindo que atormentava seus pensamentos todos os dias. Como uma coisa que fazia tanto sofrer poderia ser tão bonita, deixar tudo tão mágico e brilhante? Eram coisas diferentes para Sofia, com cheirinho de coisa nova, e ela queria tocar, sentir, experimentar tudo, com coragem e sorriso estampado para o que der e vier.
O sinal bate e ela quase corre para fora da sala, ao encontro de Pedro, e queria dizer tantas coisas, bobas, engraçadas, bonitas, puras, mágicas, grandes e pequenas que tomavam conta dela. Logo na porta da sala bate de frente com o dono da voz bonita, o cara que entregou um coração pelo telefone, o menino que a fazia desenhar corações em todas as partes e que a fazia respirar mais forte por medo de perder todo o ar. E nesse momento ela respirava tão forte e rápido, e sorria querendo dizer tudo de uma só vez. Ele sorria querendo mastigar aquele momento devagarinho, apreciando e guardando na memória o rosto surpreso dela. Eles queriam se dizer tudo e não saía nada, até Sofia quebrar o silêncio se aproximando lentamente de seu rosto. Suave, intensa e inteira. Pedro fecha os olhos, e quer sentir tudo da forma mais limpa que consegue, mais perfeita para ela. Sofia aproxima os lábios quentes da orelha fria de Pedro, e sussurra baixinho para entregar as palavras só para ele, para que suas palavras sejam completamente dele:
- Eu fico, e deixo você ficar. Fico dentro de você, e te ofereço meu coração inteiro para você ficar. Não tenho nada a te oferecer, mas tudo o que possuo também é seu.
As cenas se seguiram em câmera lenta dentro dos dois, o amor em sua forma mais simples e complexa ao mesmo tempo. A paixão pulsando em todos os seus órgãos e arrepiando da ponta dos dedos até os fios de cabelo, e deixando a única certeza de querer ficar. Pedro abriu os olhos para mergulhar no verde intenso dos olhos de Sofia e deixou-se penetrar pelos sentimentos mais sagrados que aquela garota lhe passava. Segurou seu rosto levemente para ter certeza de que ela não sairia dali. Deixou seu rosto tão mais alto escorregar e deslizar a boca tocando com lábios quentes as maçãs e curvas do rosto de Sofia, até alcançar a boca em um ato suave. E com sutileza e voracidade expôs seus sentimentos ali, entregou-os para Sofia cuidar, deixou sua boca beijar a boca dela. Beijou intensamente, e intensamente se entregou para aquela que o fez enxergar as coisas mais lindas. Sofia sentiu que essa era a hora, o momento do filme em que a felicidade reina e toma conta das situações. Que a felicidade se mudara para dentro deles. Sobrepôs seus dedos sobre os dedos de Pedro que pairavam em paz no rosto dela, encostou a cabeça no ombro largo dele, e quis dizer "o amor é bonito, o amor é bonito, o amor é bonito"...
Clarissa M. LamegaLeia a história de Sofia e Pedro na íntegra!Parte 1: http://clarissalamega.blogspot.com/2010/03/sofia-e-bagunca-do-destino-s-ofia-abriu.html
Parte 2: http://clarissalamega.blogspot.com/2010/05/sofia-leva-uma-rasteira-do-amor-d-ois.html