segunda-feira, 31 de maio de 2010

"Não desista, vá em frente. Sempre há uma chance de você tropeçar em algo maravilhoso. Nunca ouvi falar em ninguém que tivesse tropeçado em algo enquanto estava sentado."

Caio Fernando Abreu, falando certamente para mim.

quinta-feira, 27 de maio de 2010

Querendo fazer o amor fazer sentido



Ao som de "Se fiquei esperando meu amor passar" Legião Urbana

O inverno chega gelando as mãos, invadindo as ruas e me arrastando até algum bar que ofereça calor e pessoas. Ando tão necessitada de gente, ultimamente, mas você não precisa entender - nem eu entendo. Respiro mais forte só para ver a fumacinha saindo da boca e comprovar que é mesmo o frio chegando. Sentada no banco do ônibus encosto minha cabeça na janela e a deixo se embaçar com a minha respiração enquanto a paisagem e os carros correm do lado de fora. Então, súbito, sorrio por uma lembrança gostosa que me vêm à cabeça, e permito que ela se enrole em mim como um cobertor. Sabe que, dentro do seu carro, enquanto você falava ao telefone ou dirigia, eu soltava o ar quente da minha boca no vidro e desenhava com o indicador um coraçãozinho bem pequeno; depois ficava olhando-o se apagar. Aí eu imaginava um dia chuvoso ou frio que fizesse o coração se revelar de surpresa pra você. Sorria só de pensar na sua cara de alegria mansa e você me dava uma piscadela sem nem imaginar tudo o que eu tramava. E, para nós, eu tramei muita coisa que não chegou a acontecer. Meu corpo então experimentou um arrepio delicado de saudade gostosa.
Se eu escondia corações e bilhetes no seu carro, se eu te cuidava com detalhado carinho, eu te queria bem. E eu não sei por quê ando pensando tanto em um "nós" que não chegou a ser, sendo que o que era ficou. Não sei explicar bem o que a gente tinha, mas essa coisa não tinha razão concreta ou motivo, e simplesmente era. Talvez por isso mesmo fosse tão bonito. Nasceu sem pedir, fez morada em nós sendo fruto de alguns encontros descontraídos que queriam amarrar o ponteiro do relógio. Fez de você meu cobertor. Sabe criança que tem um cobertor predileto e não fica sem ele? E, de repente, essas lembranças apareceram arrepiando meu corpo inteiro que passou a notar e sentir falta de você, meu cobertor predileto. Você me paparicava com elogios banais e mãos carinhosas que te traziam pra perto, e eu adorava poder sentir seu cheiro e te respirar inteiro como se fosse o último bocado de ar que eu pudesse dar na minha vida inteira. Se por qualquer razão boba o silêncio pairasse no ar, eu dava uma espiadinha de canto de olho só para ter a certeza de que você ainda estava - e continuaria - do meu lado. Como se algum seqüestrador maluco pudesse te arrancar dali e sair correndo com você pra longe de mim. Isso que tínhamos se instalou em nós por conta própria, e dentro do meu coração era como se respirasse, pensasse, agisse sozinho e se alimentasse da sua presença tão esmagadoramente aliviante sem permissão. Começou a me (co)mandar na sua direção, sendo que não fiz o mínimo esforço pra deter o sentimento. Com aquele pensamento típico de "se as coisas ficarem sérias, eu pulo fora" fui alegrando esse bichinho que com voracidade me fazia procurar seu abraço forte, se fazendo meu porto seguro. Pra te falar bem a verdade, eu nunca quis ter um porto nem nada do tipo, quis ser livre e dona absoluta das minhas vontades. Mas não ter pra quem correr, voltar e pedir para segurar a mão pareceu a pior coisa do mundo, agora.
Te aceitei do jeito duro e inflexível que você era, e nunca quis ter ao meu lado um romântico à la poeta que escrevesse versos em papel vermelho-paixão para me encantar. Você era um cara destrambelhado e ao mesmo tempo tão sutil por dentro, que rabiscava um "eu te amo" torto e feito de caneta esferográfica no verso de um papel de Bis, colado na geladeira. Não que o Bis significasse alguma coisa pra gente, mas estava atrasado e não achou nenhuma folha dando bobeira por perto. Você me fazia rir e eu te desarmava quando olhava bem dentro dos seus olhos imaginando quem realmente era esse cara que me deixava tonta com tanta coisa boa em um segundo só. Eu queria tanto voltar para tudo isso que me fez tão bem, e quem sabe dar a chance de nascer algo novo, que me tirasse dessa loucura de conformismos com a vida. Tenho tanto anseio por mudar, renascer milhares de vezes por semana que eu preciso de um motivo para ser nova todos os dias. Me assustei tanto com a nossa compatibilidade imensa que percebi se anunciar por todas as partes do meu corpo que eu fugi. Aquilo que crescia me tirou do posto de comando de tal forma que larguei tudo euforicamente, acabei com o que tínhamos e corri para o mais longe possível. Noiva que abandona o altar, que vê o que sempre desejou ao alcance das mãos e sem motivo é tomada por um pânico que a deixa tão menor e assustada do que sempre foi.
Meu coração é um eterno achados e perdidos: se eu te encontro, me perco; se eu me perco, te acho. Me deixei perder, me permiti a felicidade tão maior de ter um porto e no momento do embarque voltei atrás. Talvez, a cena mais triste disso tudo foi quando eu gritei, aos prantos "vá embora!". E você foi. Virou as costas e caminhou devagar no sentido oposto, sem olhar para trás. Agora essa lembrança me deixava com olhos distantes dentro de um ônibus, o que me parece mais triste e solitário ainda. Te procuro através da janela, olhando em todas as direções por perto da sua casa, e se eu te visse nesse exato momento eu juro que apertaria o botão de "parada" e saltaria desse ônibus fingindo um acaso estrategicamente planejado de topar com você no caminho. Porque eu queria tanto te abraçar, te sentir comigo e conversar qualquer bobeira que nos fizesse rir de novo. Queria ver se o seu cabelo continua igual, se ainda tem aquela barba curtinha bonita, se ainda sorri daquele jeito especial quando está comigo. Eu queria saber se sente minha falta tanto quanto eu sinto de você, e se não daria pra encaixar um "nós" meio aos trancos no meio disso tudo. Aonde será que teríamos ido parar se o meu pânico não tivesse deixado o sentimento pela metade? Queria te encontrar e te falar baixinho como um segredo: "você foi o meu caso mais bonito, não se esqueça disso".

Clarissa M. Lamega

sábado, 22 de maio de 2010

“Nosso farfalhar de estrelas captadas deve ser eterno e por isso devemos preservar cada instante nosso.”


José Carlos Honório in O céu nu e a biruta

DOE PALAVRAS!

O Hospital Mário Penna, em Belo Horizonte, atende pacientes com câncer e lançou um projeto maravilhoso chamado Doe Palavras. Qualquer um pode participar e doar um pouquinho da sua atenção e carinho. O projeto consiste em deixar uma mensagem no site Doe Palavras, que será passada em um telão durante sessões de quimioterapia aonde todos os pacientes poderão ler o seu recado e saberem que não estão sozinhos nessa. Legal, não é mesmo? A gente pode fazer o bem sem nem mesmo sair de casa, passando um pouco de amor e fé para aqueles que realmente precisam! Vamos lá pessoal, é hora de d o a r p a l a v r a s !

quarta-feira, 19 de maio de 2010




"LEO — Não sei, não. Não gosto nada disso. Tudo tão velho, tão rebentado, tão sujo. Parece um depósito de lixo. Sabe, eu me sinto como se tivesse acabado. Parece que nada mais vai ser bonito outra vez.
BABY — Olha, cara se você der uma voltinha na cidade ou olhar pela janela vai ver que o depósito de lixo lá de fora é muito maior! Quando a gente está se sentindo assim é só olhar em volta - dar o tal de look-around -, aí você vai ver que não está tão mal assim. A gente dá o tal look-around e canta. Assim, quer ver? Eu quero mesmo muito pouco eu quase não quero nada de tão pouco que eu quero. Talvez eu seja muito louco mas basta um canto e um teto - mesmo furado. Um canto e um papo furado, também. Não tem importância. Ninguém entende nada de nada e enquanto tudo cai eu canto por quase nada."

Caio Fernando Abreu

terça-feira, 18 de maio de 2010

É hora de ser feliz


Sofia recebe um presente

A voz de Pedro ficou pendurada nas orelhas de Sofia, que se confrontava com mil dúvidas e desejos explondindo de uma só vez na cabeça tão inocente e sozinha. Não falou nada e se permitiu ficar no susto de ter viva a voz mais linda do mundo. Os soluços do choro recente denunciaram sua presença do outro lado da linha telefônica, então.
- Sofia? Você tá chorando?
- Sim, quer dizer... tava chorando. Já passou, esquece.
Mas ela não sabe ainda que mentira assim é isca para ser descoberta. Pedro imediatamente ligou os fatos da lágrima salgada que antes havia descido pela pele macia do rosto da menina no parque. A imagem de um suposto ciúme fez o peito do garoto ser atacado por uma ardência e fisgada repentina, e de repente veio a sensação da garganta se apertando só de imaginar ter causado qualquer ínfima dor em Sofia.
- Sofia?
- Quê?
- Desculpa, eu não queria... quer dizer, eu gosto tanto de você. Foi culpa minha, né?
-...
- Ah, eu sabia! Eu sou um idiota, cara! Sério, eu sou muito burro, que trouxa!
Isso fez repercutir um acesso de risos dos dois lados da ligação, súbito, alegre. Puro. Todas as horas de choro e tristeza, a quase desidratação por conta das lágrimas viraram pó em um segundo. Uma mistura mágica e perigosa tomou conta do corpo todo de Sofia, que agora tinha percebido que ele realmente sabia. Sentiu raiva e pavor de si mesma, por ter deixado ser notada e ser desarmada dessa maneira, de deixar arrancarem seu escudo protetor e ficar sem defesa alguma. Nua e exposta diante do amor, tão assustador ainda para ela. Será que teria chance de ser recíproco? Aquela ligação significaria alguma coisa? Ela ainda não sabia, mas significaria tudo.
- Olha, eu também gosto muito de você, Pedro. - disse ela, sorrindo em frente ao espelho do quarto com tanta vontade de passar o sorriso pelos furinhos do telefone para chegar até ele.
Queria mostrar o sorriso cheio de magia e pensamentos bonitos, que fazia a boca doer de tanto sorrir, enquanto admirava o próprio rosto inchado e vermelho que contrastava aos lábios. Era a alegria mais sincera que experimentara em dias, repleta de possibilidades de cura e de um sentimento que poderia ser compartilhado, mútuo, aberto. Pedro não ficava para trás nessa, não. Parecia que uma coisa muito branca, muito plena, muito forte se espalhava da ponta dos dedos até o mais fundo do peito, tornando as risadas mais vivas e a vontade de ficar cada vez maior, se desenrolando durante a conversa. Vontade de ficar, ficar exatamente ali aonde estava: tão dentro dela.
No dia seguinte, Sofia acordou com uma disposição diferente, bem mais ampla. Sorriu, deu bom dia (justo ela que detestava conversas matinais, por conta do mau humor), preparou um café da manhã para todos e sentiu um frio na barriga pior do que de primeiro dia de aula no caminho do colégio. Mas era um friozinho alegre, intenso, que faz o coração rir. Ele estava lá, com as mãos dentro dos bolsos da jaqueta e pescoço encolhido por conta do frio da manhã, sorrindo mas de lábios fechados, com os olhos meio inclinados e apertadinhos. Ele ficava tão lindo assim, parecendo criança, que de ímpeto o pensamento a fez correr e dar o abraço mais apertado e demorado que ela conseguiu. Então ele segurou o rosto de Sofia com as duas mãos, e ela ansiou por um beijo prematuro e quente, mas ele olhou bem em seus olhos de água verde e concedeu-lhe um carinhoso e demorado beijo na testa. Ela ficou tão boba que nem percebeu o bilhete deixado discretamente no bolso de sua blusa. Pedro sentiu tudo acontecer muito rápido de uns dias atrás para este, em que queria poder estar o tempo todo rindo e conversando com Sofia. Talvez nunca tivesse reparado tanto nela, nem se preocupado tanto como no dia da ligação. As coisas haviam mudado, e algo bonito crescia por dentro. Na sala de aula, ao colocar as mãos distraidamente nos bolsos, Sofia percebeu um pedaço de papel tímido ali. Com estranheza e curiosidade, abriu a folha de caderno com a letra torta de Pedro. Dentro, duas frases cuidadosamente escolhidas: "Posso ficar? Eu quero que você fique.", fizeram as mãos tremerem e o coração acelerar como ao desembrulhar um imenso presente.
Parecia que os minutos se estenderam bem devagarinho até o intervalo, que teimava em demorar a chegar. E quanto maior o tempo, maior o nervosismo da menina de cabelos dourados e olhos verdes. Um amor novo em mãos, que precisava de tanto cuidado, carinho, proteção. Tudo tão inevitável, um sorriso lindo que atormentava seus pensamentos todos os dias. Como uma coisa que fazia tanto sofrer poderia ser tão bonita, deixar tudo tão mágico e brilhante? Eram coisas diferentes para Sofia, com cheirinho de coisa nova, e ela queria tocar, sentir, experimentar tudo, com coragem e sorriso estampado para o que der e vier.
O sinal bate e ela quase corre para fora da sala, ao encontro de Pedro, e queria dizer tantas coisas, bobas, engraçadas, bonitas, puras, mágicas, grandes e pequenas que tomavam conta dela. Logo na porta da sala bate de frente com o dono da voz bonita, o cara que entregou um coração pelo telefone, o menino que a fazia desenhar corações em todas as partes e que a fazia respirar mais forte por medo de perder todo o ar. E nesse momento ela respirava tão forte e rápido, e sorria querendo dizer tudo de uma só vez. Ele sorria querendo mastigar aquele momento devagarinho, apreciando e guardando na memória o rosto surpreso dela. Eles queriam se dizer tudo e não saía nada, até Sofia quebrar o silêncio se aproximando lentamente de seu rosto. Suave, intensa e inteira. Pedro fecha os olhos, e quer sentir tudo da forma mais limpa que consegue, mais perfeita para ela. Sofia aproxima os lábios quentes da orelha fria de Pedro, e sussurra baixinho para entregar as palavras só para ele, para que suas palavras sejam completamente dele:
- Eu fico, e deixo você ficar. Fico dentro de você, e te ofereço meu coração inteiro para você ficar. Não tenho nada a te oferecer, mas tudo o que possuo também é seu.
As cenas se seguiram em câmera lenta dentro dos dois, o amor em sua forma mais simples e complexa ao mesmo tempo. A paixão pulsando em todos os seus órgãos e arrepiando da ponta dos dedos até os fios de cabelo, e deixando a única certeza de querer ficar. Pedro abriu os olhos para mergulhar no verde intenso dos olhos de Sofia e deixou-se penetrar pelos sentimentos mais sagrados que aquela garota lhe passava. Segurou seu rosto levemente para ter certeza de que ela não sairia dali. Deixou seu rosto tão mais alto escorregar e deslizar a boca tocando com lábios quentes as maçãs e curvas do rosto de Sofia, até alcançar a boca em um ato suave. E com sutileza e voracidade expôs seus sentimentos ali, entregou-os para Sofia cuidar, deixou sua boca beijar a boca dela. Beijou intensamente, e intensamente se entregou para aquela que o fez enxergar as coisas mais lindas. Sofia sentiu que essa era a hora, o momento do filme em que a felicidade reina e toma conta das situações. Que a felicidade se mudara para dentro deles. Sobrepôs seus dedos sobre os dedos de Pedro que pairavam em paz no rosto dela, encostou a cabeça no ombro largo dele, e quis dizer "o amor é bonito, o amor é bonito, o amor é bonito"...

Clarissa M. Lamega

Leia a história de Sofia e Pedro na íntegra!
Parte 1: http://clarissalamega.blogspot.com/2010/03/sofia-e-bagunca-do-destino-s-ofia-abriu.html
Parte 2: http://clarissalamega.blogspot.com/2010/05/sofia-leva-uma-rasteira-do-amor-d-ois.html

À você, que me decifra



Heey, psiu! É, é você mesmo que está sentado em frente ao computador acompanhando estas linhas. Tem uma coisa aqui entalada, e eu não sou de segurar o que sinto, compreende? Preciso te dizer umas verdades, à você que me lê todos os dias, ou às vezes, quando lembra, enfim: a você que me lê neste momento. Quero - e preciso - fazer um anúncio de um sentimento que captei e decodifiquei dentro de mim, uma coisa tão íntima quanto tudo o que nestas letras se faz presente. Descobri que é assim: escrever é um ato extremamente individualista. Sou egoísta mesmo nesse sentido. Todos estes que nos presenteiam e presentearam com suas doces e trágicas palavras não escreviam para nós. Agora sim, eu compreendo bem e digo: escritores são individualistas. Não escrevo para te fazer sorrir, se emocionar, sentir um aperto no peito ou um suspiro de alívio por não se sentir sozinho no mundo. Me ocorre que escrevo para ME fazer feliz ou, no mínimo, menos sozinha. Derramo todas essas palavras pensando em diminuir meu tão famoso buraco no peito e aliviar minha dor, que penso ser tão maior que qualquer outra em um jogo sujo de olhar para meu próprio umbigo. Jogo tudo o que está enroscado no coração e apertando a garganta para você que está aí do outro lado - e tudo o que eu não consigo suportar sozinha, eu te dou. O que tento realmente dizer, meu caro amigo ou amiga, é que sou tão egoísta com minhas frases quanto qualquer um que escreva para se sentir completo, e sou tão trapaceira quanto um jogador de pôquer que arma planos para fazer saltar o que se passa no seu coração. Escrevo porque tenho medo de ser sozinha e preciso te dizer que não quero ser sozinha. Escrevo pra desabafar e pra você me ler pensando que eu sei o que você sente. No fundo, faço isso pensando no que somente eu sinto. Mas aah, a recompensa final! O tesouro no fim do arco-íris: seu agradecimento. Ou então, no mínimo, reflexão. Você me lê e eu te permito me ler em benefício próprio, e então me conta o quanto se identificou e sentiu o coração batendo mais forte, mesmo eu tendo escrito mais para mim do que para você. Me animo, me alegro de pensar em quanto você - que está acompanhando estas linhas agora - permite a seus olhos brilharem ou esboça um sorriso mesmo que eu só tenha feito tudo por mim. O que acontece é que eu necessito entender que minhas dores são compartilhadas e que não sou dona absoluta delas. Jogo aqui os restos do que não cicatriza, e você os recolhe sorrindo. Portanto, te agradeço por não deixar meus pedaços soltos por aí para guardá-los dentro de você. Escritores - amadores, profissionais, de blog, de fim de caderno - sabem do que eu falo. Achei desconfortante e individualista demais deixar perdurar essa ilusão bonita, então não se deixe enganar. E aqui vai meu mais sincero agradecimento a quem me lê e aprecia sabendo dos meus defeitos expostos feito feridas, e dessa nova - talvez não tanto - verdade seca e absoluta: escritores são individualistas.

Clarissa M. Lamega
"Economizar amor é avareza. Coisa de quem funciona na frequência da escassez. De quem tem medo de gastar sentimento e lhe faltar depois. É terrível viver contando moedinhas de afeto. Há amor suficiente no universo. Pra todo mundo. Não perdemos quando damos: ganhamos junto."

Ana Jácomo

segunda-feira, 17 de maio de 2010

Primeiro amor a gente não esquece


A
gente sempre sonha com a possibilidade de um "felizes por enquanto", já que "felizes para sempre" anda difícil de achar. Aliás, desculpa a sinceridade e quebra de ilusões, mas não existe esse negócio de para sempre. Melhor avisar agora do que continuar com isso na cabeça.
Engraçado é o primeiro amor, aonde tudo é lindo. Queremos amar todo mundo, andar pulando nas ruas, abraçar o planeta inteiro, fazer o bem, passar o dia todo abraçadinho no inverno. Usamos o "eu te amo pra sempre" diversas vezes, pensando que é verdade, inclusive. Mas não se aflinja: quem ainda não passou por isso, passará, e é natural. Eu também já disse "para sempre" muitas vezes, até virar enjoativa de tão doce o que eu sentia. Primeiro amor dá mesmo essa idéia falsa de eternidade e pisar em chão de flores, de ter o maior amor do mundo e sentir que nada mais importa. Quase sempre acaba em tragédia, típica novela mexicana de quinta. Porque o amor é tão grande, tão inocente e inofensivo, que alimentamos com as próprias mãos, ele cresce e morde a mão que o alimenta. A gente acha tudo tão puro que não esperamos um fim, e é aí que se planta a sementinha da desconfiança. Choramos, esperneamos, fazemos de tudo, nos humilhamos totalmente por uma migalhinha sequer, imploramos por um retorno ao mundo de passarinhos e borboletas coloridas que é o primeiro amor. Mas não adianta, já acabou, menina. Aí é que chega o ponto que eu queria demonstrar: você nunca mais sentirá a mesma coisa. Não é nenhuma grande tragédia, nem um alerta egoísta, mas a inocência do primeiro amor já se desfez no ar, saiu por aí feito fumaça. Quando conhecer algum carinha legal por aí, você irá analisar cada característica ínfima do pobre sujeito, e descartará com pensamentos do tipo: você é ciumento demais, careta demais, possessivo, seco demais, e isso já me fez sofrer muito anteriormente. Qualquer defeito que se assemelhe ao do primeiro amor deixa trauma, e pulamos fora sem deixar chance de algo bonito acontecer. Viramos um tanto quanto egoístas. Não tem o lance da entrega total, de pisar no escuro sem medo. A desconfiança também atormenta, gritando na cabeça que se ele chegou quinze minutos atrasado, é porque estava com outra; se anda meio abatido, é porque não gosta de você; se não está em um dia legal, é porque alguma coisa esconde; se presenteia sem motivo, tem outra na parada. A gente planta essas caraminholas na cabeça por medo de sofrer, e porque prometemos não deixar nenhum outro nos magoar como foi o primeiro amor. Damos o fora, corremos pra longe, sumimos sem dar notícia, viramos a página e fim. Não acreditamos mais em "para sempre", mas continuamos procurando um "eterno enquanto dure".
Mulheres são naturalmente eternas perseguidoras, caçadoras de supostas mentiras e de um beijo na testa. Queremos um ombro largo para recostar a cabeça e uma mão para segurar ao andar na rua. Coisas pequenas que demonstram um sentimento enorme. Príncipe, castelo, felizes para sempre, nada disso existe, esqueça! Se você ainda tem seu primeiro amor em mãos, cuide dele e proteja-o, porque ele é e sempre será único na sua vida. Mas se a insegurança já adentrou, se a desconfiança já faz moradia, pise em cima delas com força. Sente em cima, e tente chegar perto de um segundo primeiro amor. É claro que igual não será, jamais, mas ainda dá tempo de ser feliz. Cuide do seu coração e do seu amor, porque no final tentar ser feliz é o que conta.

Clarissa M. Lamega

quinta-feira, 13 de maio de 2010

A consulta


A
moça jovem chega ao consultório e já deixa antecipadamente avisado à recepcionista:
- Consulta de rotina.
Informa nome, dados pessoais e senta-se na sala de espera. Na televisão, novela das seis. Revistas sobre a mesinha de centro informam as últimas fofocas dos famosos: gravidez de tal atriz, filho de tal jogador; casamento promissor é capa dentre as notícias. A moça escuta seu nome, levanta-se e segue o médico de meia idade e aparência gentil que sorri para ela. Ela retribui o sorriso, e após uma série de "respire fundo, conte até dez, ponha a língua para fora e diga 'aah'", o médico diz que está tudo certo. Sorri novamente, dessa vez mais satisfeito e sincero.
- Não, doutor, acho que você não examinou bem.
- Sim, examinei, está tudo ok. - o médico pacientemente analisa - O que você tem?
- Eu amo.
- Não, não. Eu quis dizer aonde dói. - tentando ser compreensivo.
- Ah, que bom que você perguntou, doutor! Queria tanto falar para alguém! - diz com expressão de alívio e olhos cintilando. - Dói em tudo! Parece que se espalha por todo o corpo, que lateja em todas as direções, doutor.
- Huum, preciso fazer uns exames para constatarmos o que poderia ser, então. - o médico fica intrigado.
- Não precisa, doutor! Eu já sei o que é. Dói por todos os lados, mas o culpado é o coração.
O homem de olhar bondoso e jaleco branco se assusta ao pensar que a paciente já veio com o diagnóstico em mãos. Quem sabe, já teria passado por outros profissionais da saúde.
- Me traga seus exames, então, que eu avalio. Posso te encaminhar para um ótimo cardiologista conhecido meu.
- Ah, doutor! Não são necessários exames, os sintomas denunciam, não vê? Mãos suando, tremedeira indisfarçável, nervosismo ao falar, intoxicação por perfume gostoso, insônia, taquicardia, choro constante. É engraçado que a culpa é toda do coração besta, que não sabe amar pouco. É amor, amor tão grande que não invade só o peito como a cabeça e o corpo todo, doutor. Mas eu não sei o que eu faço. Que bom que o senhor pode me escutar.
O médico sente-se constrangido e pego de surpresa. Queria rir, mas não seria prudente na frente daquela moça que era gentil e parecia sofrer um bocado. Acho muito estranha aquela cena, e com certeza riria - se não fosse com ele.
- Em que posso ajudá-la, então? Acho que não tenho a cura pra isso - deu um risinho nervoso e sentiu que não queria estar na pele dele mesmo.
- Será que a gente vive sem coração, doutor? - seus olhos tomaram expressão vaga dessa vez, e a boca perdeu totalmente o sorriso simpático.
- Não, você sabe que se o coração parar de bater...- foi interrompido pela moça.
- Sim, disso eu sei. Mas acho que meu coração vai explodir e não falta muito, doutor. O que eu tenho aqui é grande demais para suportar, não consigo me carregar sozinha e mais esse amor gigantesco. E o pobrezinho do coração já levou tanta surra, tanta pancada! Nem sei como ainda bate. E dói muito mais continuar batendo por alguém sabendo que vai apanhar depois. Acho que ele não vai conseguir. Que eu não vou conseguir.
O médico arregalou os olhos e abriu a boca para dizer qualquer coisa que pudesse ajudar. Mas as palavras não saíram, então fechou-a novamente. A moça desviou os olhos vagos para o rosto daquele homem tão calmo, como despertando de um pensamento profundo, pôs sua bolsa no braço, levantou e saiu pela porta sem dizer nada. O médico continuou embasbacado. A moça sentiu uma lasquinha a menos de dor por saber que deixou-a largada na cadeira em frente ao médico. Ao mesmo tempo pensou que só ela saberia sentir a sua própria dor, então, suportou. Inteira.


Clarissa M. Lamega



"É uma saudade pós-saudade. Uma saudade sem o peso de uma saudade. Uma saudade sem a tortura de uma obsessão. Uma saudade de detalhes que só vem em sonhos que não me acordam antes das cinco. Uma saudade que não podia sentir quando estava cheio de saudade. Uma saudade que remete ao último gole do meu bourbon em copo de extrato de tomate. Uma saudade de quem aprendeu a conviver com o pôr do sol."

Gabito Nunes in Saco cheio de saudade
"Pela primeira vez deixo alguém dizer seu ambíguo nome, que muito bem pode ser empregado a fim de qualificar uma noite de amor ou um acidente de trânsito sem sobreviventes."

Gabito Nunes in Saco cheio de saudade



Sou sua mas não posso ser
Sou seu mas ninguém pode saber
Amor, eu te proíbo
De não me querer.

Nando Reis - Nos seus olhos

terça-feira, 11 de maio de 2010

Move on


Tudo embolorado por dentro, tapetes que acumulam o pó dos dias, louça suja na pia do peito. Objetos esquecidos nas mesas com a bagunça do almoço de semanas atrás, cortinas pretas de fumaça, ninhos de aranha nos cantos da parede. Eu estava me sentindo assim, por dentro, uma casa abandonada na metade da semana, no meio do mês, sozinha com toda a sua sujeira. Muito escura, muito ridícula, muito parada, muito nada. Eu não sou assim, eu preciso estar cheia, alegre, preciso ter pelo que lutar, não posso ficar parada que eu deixo de ser eu. Não posso não querer apertar o play, viver para sempre no pause e deixar o pó acumular, a sujeira se fazer. Eu não sei ser assim, não consigo conviver com meu problema e meus defeitos de dentro de mim, preciso me ocupar com outras dores e outras pessoas para não lembrar das minhas dores. Ajudo todo mundo, cuido do coração de todo mundo, rego as plantinhas e lavo a louça suja do interior de todo mundo, e deixo a minha enferrujar. As engrenagens do meu peito pararam de funcionar há séculos, deixando a fábrica sem uso, deixando um lixo enorme por dentro. Eu sei cuidar dos outros, eu fui feita para isso. Mas já acabaram as opções, já cuidei da dor de todos os meus amigos e a maioria já aprendeu a tomar conta dos seus amores e suas situações problemáticas. Me vi obrigada a olhar bem dentro de mim, e encontrei toda essa barbaridade de sentimentos abandonados. Mas quero sair correndo desse lugar frio, vazio e mal cuidado, quero cuidar de mais alguém, que por algum desleixo do destino ainda não apareceu.
Corri para meu guarda-roupa, escolhi desesperada uma roupa mais tchan, coloquei salto vermelho - abusada e fatal - escureci os olhos esfumaçados de íris profundamente azuis herdadas do meu pai, e senti um aperto tão grande que me apressou. Sou pessoa muito calma, paciente, que capricha nos detalhes e vagarosamente resolve cada situação. Mas buraco no peito não tem solução óbvia, não tem cura pela nossa vontade, não tem remédio algum. A solidão assusta, faz tomarmos medidas drásticas, ou ficarmos parados. Eu não sei ficar parada, então apelo para a primeira opção. Meu lado escorregadio e impaciente se mostrou naquele instante, saí de casa com o coração envolto em uma corrente cheia de espinhos que se apertava mais a cada hora, e que parecia que ia explodir. Não, eu não podia deixar, eu tinha que fazer parar. Não sei ser ferida, nem aceitar machucados espalhados como manchas roxas - que quando criança moleca apareciam sem perceber - por todos os lados. Agora eu percebia cada uma, e não sei aceitar, não deixo. Porque eu não sei cuidar dos meus machucados, sou fraca, tola, patética demais pra mexer na poeira e pratos sujos. Precisei sair correndo, cair na balada e ir pra pista de dança.
Eu sei que a minha hora vai chegar, vão tapar com flores esse vazio no coração, vão perfumar e aconchegar nas mãos como eu sempre faço com o dos outros. Massageio e cuido. Danço, jogando os cabelos, erguendo as mãos, de olhos fechados. Sinto o clima, as notas musicais escorregando pelas curvas do corpo, se derramando do céu como mel no rosto, peito, braços, pernas. Danço, expulso meus demônios, quero gritar mas substituo a voz pelos movimentos. Assustei minhas dores invés de deixar elas me assustarem, dancei como se você estivesse me olhando escondido entre as pessoas do bar. Não sei quem você é, nem te conheci ainda, mas sei que um dia você vai me ver por aí e lembrar daquela garota doida que dançava pra arrancar coisas ruins de si. Vai lembrar de como eu me joguei e de como eu transformei em mel o que mais parecia merda. E você me espia sorrindo enquanto eu jogo minha euforia na cara de todo mundo que está ali, de como eu me mostro forte mesmo sozinha dentre todos aqueles casaizinhos bestas que não vão sequer chegar aos pés do nosso amor. Faço uma pausa e pego uma bebida, certa de que se você estivesse ali, poderíamos nos topar e eu sorriria mesmo com um rombo no peito, cabelos bagunçados e me sentindo suada, suja. A bebida desce quente, não encontrei ninguém. Mas pouco importa agora, volto a dançar e quero me divertir até amanhacer, até clarear e todos sumirem dali, até tudo que machuca sumir daqui. Volto para casa e continuo querendo ser de alguém, é uma coisa que nunca passa. Maquiagem borrada e cabelos sujos são as marcas da batalha que travei dentro de mim, que encarei corajosa e que saí vencedora. Já diz o ditado: venci a batalha, mas a guerra não. Expulsei os males do coração, tirei tudo ruim. E mesmo que nada passasse, que eu continuasse louca, destrambelhada e sozinha, de uma coisa eu tive certeza: hoje cuidei de mim.

Clarissa M. Lamega

domingo, 9 de maio de 2010



"Que vontade, que vontade enorme de dizer outra vez meu amor, depois de tanto tempo e tanto medo. Que vontade escapista e burra de encontrar noutro olhar que não o meu próprio - tão cansado, tão causado - qualquer coisa vasta e abstrata quanto, digamos assim, um caminho."

Caio Fernando Abreu
"Sim, fiquei enlevada com você, ainda estou. Ninguém jamais despertou tamanha intensidade de sensação física em mim. Afastei-o, pois não suportaria ser um capricho passageiro. Antes de entregar meu corpo, preciso entregar meus pensamentos, minha mente, meus sonhos. E você não queria saber de nada disso."

Sylvia Plath
"Há tanta dor nesse jogo de procurar um parceiro, de testar, tentar. E a gente se dá conta subitamente de ter esquecido que era só um jogo, e vai embora chorando."

Sylvia Plath
" E o seu amor que agora era impossível - que era seco como a febre de quem não transpira era amor sem ópio nem morfina. E 'eu te amo' era uma farpa que não se podia tirar com uma pinça. Farpa incrustada na parte mais grossa da sola do pé."

Clarice Lispector

sexta-feira, 7 de maio de 2010

Compra-se colo quente e palavra gentil



C
hego na loja e entro decidida, passos firmes, pé ante pé em direção ao balcão principal. Uma mulher de aparência rude, não muito disposta a atender, me dá um sorriso amarelo de velhas amigas. É, eu sei que te conheço de tempos atrás. Já vim aqui uma vez, e voltei pra casa levando um amor aos farrapos, estragado, torto, de qualidade zero. Como eu não queria pagar muito, não quis sofrer, não levei um cara legal. Mas dessa vez era diferente, andei em linha reta até aquela mulher de meia-idade, com cara de quem se machucou muito um dia, e por isso talvez seja tão rude.
- Bom dia.
- Bom dia, o que você gostaria? - com um sorriso de quem avisara que, tendo levado produto ruim, sabia que o resultado seria um desastre.
Quis dizer que não foi culpa minha, que eu era inexperiente na época, mas achei melhor não falar nada.
- Quero um cara legal. E que cuide de mim mesmo com TPM.
- Esse já está esgotado, minha filha. Que ature TPM só tinha alguns poucos, que já acabaram.
- Ah, entendi. Mas eu vou te explicar como eu quero, e a senhora tenta entender.
Com ar de quem já está de saco cheio de explicar que príncipes não saem por preço barato, ela olha para meus olhos e escuta sem muita paciência.
- Eu quero um homem que mande flores sem motivo, e que insista em não me deixar andar no chão gelado sem chinelos para eu não ficar resfriada. Quero um homem que aceite um pouco de manha, e ria dos meus ciúmes bestas. Quero um cara que mande mensagem no celular, no meio de uma tarde de quarta-feira chuvosa em que tudo parece meio chato, só para dizer que me ama, e que sente saudade. Que saiba do meu medo tão maior que eu de encarar o amor, que seja paciente quando eu me transformo em menina e que saiba aproveitar com malícia minhas horas de mulher. Um homem que me deixe com saudade só por caminhar até a prateleira do final do mercado, e que me faça suspirar aliviada quando o veja voltando e sorrindo com uma garrafa de coca-cola na mão. Quero o que não se incomode quando eu encoste meus pés gelados nos dele para ele esquentar durante a noite, que goste de deitar na rede comigo para deixar o dia passar, que não grite quando eu estiver de TPM e chorando por ter deixado o omelete queimar na frigideira. O homem que deixe bilhetinho escondido nas gavetas ou na minha bolsa pra me fazer sorrir sem motivo, que faça a brincadeira do beijo de esquimó e que não tenha vergonha de demonstrar afeto na frente dos amigos. Quero o que não fique bravo pela minha mania chata de cuidar da sua alimentação ou de não suportar tapetes embolados no chão. Quero o homem que saiba que eu sou uma mistura, que compreenda que a mesma que faz perder a cabeça é a que descabela e chora de ciúme. Quero o homem que escolha um dia pra desmarcar compromissos, adiar reuniões e fugir comigo pra um lugar escondido e só nosso. Quero olhos brilhando e passeio de mão dada, quero fugir da burocracia de apresentar e conhecer mães para passar mais tempo cohecendo ele.
Com um olhar perdido no tempo de quem já teve tudo isso, e tanto se feriu, tentou me alertar:
- Ah, esse é mais caro! Fica por 249 choros soluçosos desesperados e 135 apertos esmagados no peito de saudade, em parcelas de noites mal dormidas e faltas de ar.
- Tudo bem, é o preço. - digo, com um medo crescente, mas boca, olhos, e corpo inteiro decidido - Tem garantia?
- Não, não tem como! Não dá pra saber quanto tempo ele vai durar, e nem mesmo cobrimos coração manco ou quebrado antes da hora, muito menos insanidade, unhas roídas e tristeza profunda. - agora sua expressão trazia uma nostalgia que quase enchia seus olhos de lágrimas, os de vendedora rude, enquanto falava - Desse modelo só tem mais um. Amor bom é um cara legal, que tenha tudo isso, que saiba amar e ensinar a amar, mas que custa caro. Você vai chorar, vai doer e talvez leve um pedaço de você, te faça um rombo no peito. Mas vai te corbrir de flores por dentro, vai te fazer ver as coisas bonitas da vida.
- Eu vou levar.
Como criança que acaba de ganhar presente, voltei com meu amor novo no colo. Não olhei para trás, mas imaginei aquela mulher triste chorando, por trás da armadura tão forte. Embalei meu amor no colo, soprei beijos de carinho e abri um sorriso de orelha a orelha. A dor virá, um dia. Mas agora é sorrir, viver. Amar um homem.

Clarissa M. Lamega

terça-feira, 4 de maio de 2010

Sofia leva uma rasteira do amor



Dois dias para pensar foi uma espécie meio estranha de tempo para digerir tanta informação em tão pouco conteúdo: três símbolos em um papel. Duas letras e um coração em um papel vermelho. Pedro queria saber o que pensar agora da melhor amiga, ou quem sabe, se estaria pensando nele agora, o que dava uma sensação gostosa no quentinho do peito. Sofia era dessas que não perde tempo com nada, e qualquer ínfimo detalhe que valha a pena é levado em conta no mesmo momento. Ela era esperta, sorridente e gostava tanto de sonhar quanto de amar. Amava com intensidade as flores, as árvores, o céu azul cheio de nuvens engraçadas, amava a parede colorida, a foto pendurada e os sorrisos na cara, amava a propaganda de TV. Amava ele.
Segunda-feira, aula, Pedro no portão esperando-a, como fazia todos os dias. Mas desta vez um clima engraçado no ar. Ele reparava até no fio de cabelo dourado fora do lugar de Sofia, e sentia uma imensa vontade de decifrar todos os códigos daquela garota misteriosa. No fim de semana, passou os dedos pelas páginas do caderno dela, procurando mais detalhes obscuros que a levassem até ele, por uma razão qualquer, escondidos entre desenhos e letras e palavras doces. Aquela letra feminina e arredondada que fazia Sofia dar tantas voltas sem sair do lugar, até que um risco fora de órbita levou Pedro a encontrá-la. Não que agora gostasse mais dela, apenas era diferente e divertido descobri-la (apesar de antes achar que a conhecia por inteiro). Sofia, sem saber do papel fugitivo do seu caderno, queria tanto ser descoberta. Seu peito se apertava em meio de tanto carinho, queria ser entregue de corpo e alma àquela sensação que lhe fazia senti-lo por perto ao fechar os olhos. Abraçava o nada como se fosse o corpo dele, beijava-lhe o pescoço na sua imaginação tão real e enganosa.
Pedro se alegrou tão rapidamente ao ver aquele sorriso nos olhos de Sofia, abriu os braços e a apertou contra si com um dos seus sentimentos mais nobres engasgados na garganta. Envolveu-a com um sorriso e braços largos e o carinho do mundo todo a seus pés. Sofia sorria e seu coração queria explodir de tanta felicidade, aquele cheiro gostoso do perfume de Pedro invadindo suas narinas e seus sentidos, tanto que ao se desvincular do abraço ainda mantinha seus olhos fechados. Ao abri-los, ele sorria divertido admirando aquela menina que não sabia nada do amor. Entraram na sala de aula com uma cumplicidade diferente naquele dia, e em todos os outros dias, aliás. Os dias foram passando assim, Pedro cada vez mais confuso e pegando gosto por aquele sorriso contagiante que era só dela; Sofia, querendo fazê-lo morar em seu peito pra cuidar dele todos os dias. Sem querer, uma nova jogada foi lançada entre aqueles dois: o gosto em estar juntos. Um dia, em um parque com os amigos, Pedro pegou seu violão na rodinha de amigos, e cantava: "Menina, vou te casar comigo/ menina, vou te guardar comigo/ sou teu gesto lindo/ sou teus pés/ sou quem olha você dormindo" olhando para a menina Sofia que ficava vermelha e não conseguia sustentar o olhar de Pedro. Ele se divertia, sua voz suave voava até o ouvido da garota, afastava os cabelos dourados e susurrava só para ela ouvir. Cantava com seus olhos cortando o verde intenso dos olhos dela, sua essência se desprendendo e querendo ficar dentro dela. Pedro não sabia o que sentia, o que pensava, mas cantou para ela naquele dia. Uma amiga que também estava lá, a Vane, mais do que pisava no coração de Sofia: entre abraços, risinhos e jogadas de cabelo, se grudava nos ombros de Pedro demonstrando todo o afeto de quem quer mais do que amizade somente. Ele ria e brincava, mas por um momento reparou no verde transparente dos olhos da melhor amiga (que não sabia mais como chamar) soltando uma lágrima escondida, logo encoberta pelas mãos e disfarçada. A gota salgada se atirou como uma flecha na direção de Pedro, atingiu-o em cheio no peito e pulsou para todas as partes do corpo como se um caminhão tivesse atropelado-o.
Sofia saiu dali e foi para casa, jogou pela primeira vez - de tantas que viriam depois - todas as angústias, o ciúme do dia, os risos de Vane agarrada em Pedro, aquele aperto desonhecido dentro do peito, tudo em cima do travesseiro, embolado no lençol da cama no meio de um choro frenético. "Amor dói" pensou, "amor dói, amor dói, amor dói". Chega de amor, queria gritar para toda a rua ouvir. Queria que amor fosse em contrato com prazo determinado, assinado embaixo e simples. Sentia tudo o que havia para sentir, e perto do fim fazia uma história com desfecho bem bonito, e depois não se sentia dor nem solidão, simples assim. Mas amor queimava, dilacerava, ardia o coração, se derramava pelo travesseiro e borrava maquiagem. Não acabava quando queríamos. Sofia resolveu lavar o corpo, entrar debaixo da água quente do chuveiro e deixar derramar para fora do corpo a voz de Pedro intrelaçada entre os fios de seu cabelo, deixou escorrer as visões de outra abraçada à ele junto com o lápis preto que saía dos olhos. Nada adiantava, nada curava. Novamente desenhou um coração entre as fumaças na parede do box, mas dessa vez apertando o dedo com força e colocando todo o sofrimento, o ciúme, a raiva. Olhou aquela figura em que toscamente acreditava, rabiscou até sumir e quis bater, esmurrar, como se isso fosse diminuir o amor que sentia até caber em uma caixa que desse pra esconder atrás das prateleiras do quarto. Sofia sofria.
O telefone toca. Ela deixa tocar mais algumas vezes, deitava entre os cobertores, devorando uma barra de chocolate (que descobria ser seu aliado contra a agonia), ainda sem decidir entre atender ou não. Sem pressa alguma esticou o corpo até a mesinha do telefone - quem sabe pararia de tocar até alcança-lo - tirou o telefone do gancho e colocou no ouvido sem dizer nada. Um alô foi dito do outro lado da linha pela voz do garoto do violão, com a humildade de quem entrega um coração pela linha telefônica.

(Continua...)

Clarissa M. Lamega

Confira a primeira parte, para ler a história desde o comecinho: http://clarissalamega.blogspot.com/2010/03/sofia-e-bagunca-do-destino-s-ofia-abriu.html

Fui presentada com este selo pelas queridíssimas Camila Paier e Ana Carolina, que estão sempre dando uma passadinha aqui no blog. Eu fiquei super feliz em saber que fui uma das seis indicadas para receber esse selinho, então vamos lá com as regras: em primeiro lugar, dois defeitos e duas qualidades minhas!
Defeitos: Passiva e teimosa
Qualidades: Confidente e Alegre.

O próximo passo, são seis blogs indicados que receberão com muito carinho este selo. Os escolhidos são:

http://hannahmayria.blogspot.com/
http://camilameneghetti.blogspot.com/
http://temsidoessesdias.blogspot.com/
http://adoce-com-limao.blogspot.com/
http://artescomtrastesetraquinagens.blogspot.com/
http://sinesteria.blogspot.com/

Beijão, e obrigada a todas!
 
Só enquanto eu respirar. Design by Exotic Mommie. Illustraion By DaPino