segunda-feira, 15 de março de 2010

Trem-bala



Eu sei que parece estranho, mas gosto de pensar assim. Um grande trem, com vagões imensos, bancos estofados. Um grande e confortável trem, com várias pessoas acomodadas, tomando seus cafés e conversando sobre a vida alheia. Eu sou esse trem.
As pessoas entram em mim, bem dentro do peito, fazem um passeio e vão embora. Eu tenho um espaço enorme dentro de mim, ó: vários vagões com vista bonita para os sentimentos mais nobres que posso oferecer. Eu tenho assentos confortáveis, e muita gente bacana que mora aqui dentro. O problema, eu sei qual é, mas não entendo como acontece: eu não deixo ninguém ficar por muito tempo. É só um passeio de trem, afinal. Você entra, admira a paisagem, conversa e lê um jornal, bate um papinho rápido e nostálgico, deixa seu perfume e vai. Assim é desde muito tempo. Meus passageiros, corações viajantes, me marcam, sim. Uma mancha de café em cima da mesa, livro esquecido nos assentos, qualquer lembraça boba que prove que valeu a pena tê-los dentro de mim. Mas meu trem tem pressa, passa de estação em estação e não se cansa de correr. Quando ameaça marcar fundo demais, causar qualquer indício de futura dor ou intensidade na minha vida, apelo logo para a saída de emergência, get out, sem dar trela nem chance de algo bonito vir a acontecer.
Essa é a minha incógnita. Não deixo um espacinho sequer nos meus luxuosos bancos de couro pra quem quer ficar mais tempo do que o necessário para tomar um cafezinho. Para me fazer parar, é preciso um bocado de jogo de cintura e marra. Sei que você é maquinista de primeira, portanto vou logo avisando, meu amigo: sou trem-bala, corro e atropelo. Sou trem-bala, morro aos poucos e me desespero. Sou trem-bala, corro e comigo te levo.

Clarissa M. Lamega

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