quinta-feira, 1 de abril de 2010

Parabéns pelo nosso dia



Digo talvez com a maior tristeza que eu já tenha sentido, mágoa e desprezo: parabéns pelo nosso dia. Somos ladrões na noite, mascarados de um carnaval que dura o ano inteiro, fugitivos da lei, somos mentirosos. Escondo meu rosto para não ser descoberta, e em contrapartida você esconde seus sentimentos para não ser ferido. Everybody lies.
Somos complexos, difusos, amantes desconfiados. Estamos em um jogo de pôquer, aonde o disfarce é o que decide a partida. Saiba esconder tuas verdadeiras cartas e sairá vencedor - é o que dizemos a nós mesmos. Mas o amor, esse não é um jogo de mentiras. Os dois lados perdem. Difícil é fazer entender a mim e a ti o que só o tempo mostra: a verdade, por mais que doa, é quem reina. A verdade machuca, rala, faz ferida, mas cicatriza. E deixa experiência, compaixão e até mesmo o perdão. Eu minto que não quero te ver, não hoje, não agora, e corro pro banheiro derramar litros de lágrimas. Você prova de outras bocas que não sejam da minha, e finge a maior felicidade do mundo. Jogamos palavras falsas no ar, discutimos quem é o certo e quem é o errado, sabendo que não existe nem um e nem o outro. Eu te vejo e não me aproximo, te estudo de longe e gravo tudo na mente, planejo estratégias ilusórias de uma aproximação atravessada pelo ego. Não troco palavras, minto falta de interesse quando o que eu mais faço é te observar. Sei a maneira como você se senta e como age quando está nervoso, sei das tuas caras e das suas máscaras. Sei como você é de verdade, longe dos amigos machões e de toda a pose imposta a você. Sei que quando estou perto de você, você gosta de sentir o cheiro do meu cabelo, de leve, mas finge que não. Eu pego suas fotos e te sinto profundamente em mim, te escondo como criança debaixo dos lençóis pra ninguém ver o tamanho do meu amor. Amasso, dobro, aperto meu amor pra ele caber em uma caixinha minúscula, sendo que ele poderia ocupar o espaço do planeta inteiro. Quero que ele seja menos amor, que seja menor e mais desprezível do que realmente é. Quero colocar ele embaixo da cama e fingir que não existe, jamais te deixar vê-lo.
Ao mesmo tempo, quero que você mostre as suas cartas. Diga a verdade e não esconda nada: você me ama? Queria poder chegar bem perto de você, e olhando bem fundo nos seus olhos estonteantes, questionar quase silabicamente: "vo-cê-me-a-ma?". Pois eu te amo. Sem mentiras, desta vez. Sem máscaras. Um príncipe de mentira, com castelos de mentira, a gente consegue suportar na boa. Mas uma história de mentira, um amor construído por palavras e jogos sujos de mentira, não.
Somos vigaristas, corruptos, quebramos as regras e fazemos tudo ao contrário. Mas hoje é 1° de abril, e dizem que a mentira é tolerada nesse dia. Ao menos uma vez ao ano, somos parabenizados por esconder o que queríamos mostrar. Tem alguma coisa nos seus olhos que me convence a remar, mesmo num mar sem vida, então eu relevo e sigo adiante com nosso relacionamento de papel. Digo, com aperto na garganta e sentimentos pulsando por todas as partes do corpo, sincera e amarguradamente: parabéns pelo nosso dia. Pelo menos hoje o mundo é nosso.

Clarissa M. Lamega

2 comentários:

Amanda Martins disse...

Todo mundo que já amou um dia, passou por isso.
Gosto do jeito como você escreve!
abraços

Clarissa M. Lamega disse...

sim, Amanda! concordo com você, todos passam por isso um dia, mas a dor da gente sempre parece ser maior, né?

beijos

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