Digo talvez com a maior tristeza que eu já tenha sentido, mágoa e desprezo: parabéns pelo nosso dia. Somos ladrões na noite, mascarados de um carnaval que dura o ano inteiro, fugitivos da lei, somos mentirosos. Escondo meu rosto para não ser descoberta, e em contrapartida você esconde seus sentimentos para não ser ferido. Everybody lies.
Somos complexos, difusos, amantes desconfiados. Estamos em um jogo de pôquer, aonde o disfarce é o que decide a partida. Saiba esconder tuas verdadeiras cartas e sairá vencedor - é o que dizemos a nós mesmos. Mas o amor, esse não é um jogo de mentiras. Os dois lados perdem. Difícil é fazer entender a mim e a ti o que só o tempo mostra: a verdade, por mais que doa, é quem reina. A verdade machuca, rala, faz ferida, mas cicatriza. E deixa experiência, compaixão e até mesmo o perdão. Eu minto que não quero te ver, não hoje, não agora, e corro pro banheiro derramar litros de lágrimas. Você prova de outras bocas que não sejam da minha, e finge a maior felicidade do mundo. Jogamos palavras falsas no ar, discutimos quem é o certo e quem é o errado, sabendo que não existe nem um e nem o outro. Eu te vejo e não me aproximo, te estudo de longe e gravo tudo na mente, planejo estratégias ilusórias de uma aproximação atravessada pelo ego. Não troco palavras, minto falta de interesse quando o que eu mais faço é te observar. Sei a maneira como você se senta e como age quando está nervoso, sei das tuas caras e das suas máscaras. Sei como você é de verdade, longe dos amigos machões e de toda a pose imposta a você. Sei que quando estou perto de você, você gosta de sentir o cheiro do meu cabelo, de leve, mas finge que não. Eu pego suas fotos e te sinto profundamente em mim, te escondo como criança debaixo dos lençóis pra ninguém ver o tamanho do meu amor. Amasso, dobro, aperto meu amor pra ele caber em uma caixinha minúscula, sendo que ele poderia ocupar o espaço do planeta inteiro. Quero que ele seja menos amor, que seja menor e mais desprezível do que realmente é. Quero colocar ele embaixo da cama e fingir que não existe, jamais te deixar vê-lo.
Ao mesmo tempo, quero que você mostre as suas cartas. Diga a verdade e não esconda nada: você me ama? Queria poder chegar bem perto de você, e olhando bem fundo nos seus olhos estonteantes, questionar quase silabicamente: "vo-cê-me-a-ma?". Pois eu te amo. Sem mentiras, desta vez. Sem máscaras. Um príncipe de mentira, com castelos de mentira, a gente consegue suportar na boa. Mas uma história de mentira, um amor construído por palavras e jogos sujos de mentira, não.
Somos vigaristas, corruptos, quebramos as regras e fazemos tudo ao contrário. Mas hoje é 1° de abril, e dizem que a mentira é tolerada nesse dia. Ao menos uma vez ao ano, somos parabenizados por esconder o que queríamos mostrar. Tem alguma coisa nos seus olhos que me convence a remar, mesmo num mar sem vida, então eu relevo e sigo adiante com nosso relacionamento de papel. Digo, com aperto na garganta e sentimentos pulsando por todas as partes do corpo, sincera e amarguradamente: parabéns pelo nosso dia. Pelo menos hoje o mundo é nosso.
Clarissa M. Lamega
2 comentários:
Todo mundo que já amou um dia, passou por isso.
Gosto do jeito como você escreve!
abraços
sim, Amanda! concordo com você, todos passam por isso um dia, mas a dor da gente sempre parece ser maior, né?
beijos
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