sexta-feira, 9 de abril de 2010

Mas obrigado por pensar em mim


Andando na rua, caminho até o ponto de ônibus em passos tranqüilos e planejados. Sigo quieta, com a cabeça entulhada de pessoas e cenas sendo revividas, reinventadas, reutilizadas. Distraída, prossigo pé ante pé, brincando de pisar dentro dos quadrados de cimento no chão. Foi então que vi, senti um baque por dentro, fui desarmada.
Parado, no ponto de ônibus, estava você de pé. Não sei por quê motivo, congelei os sentidos, te vendo pela primeira - e provavelmente última - vez na minha vida. Tudo ao redor virou câmera lenta, o sol da tarde brilhando entre as folhas das árvores, e um cara de pé que olha nos meus olhos e me deixa sem reação. Primeiro que, só pra te avisar, sou eu quem faz esse lance de olhar fundo nos olhos, então senti minha arma virada contra mim. Caí na rede, entrei numa magia momentânea gostosa e jamais experimentada. Senti um arrepio atravessando o corpo quando seus olhos azuis claríssimos apontaram para os meus. Me lembrou uma piscina, com a água quase transparente. Parecia que sua menina dos olhos era o ralo da piscina, sugando meus pensamentos, minhas ações e me deixando sem rumo. Entrou em mim de maneira inesperada, permaneci por alguns segundos em estado de choque.
Levava um fone de ouvido assim como eu, e escutava imagino que um rock mais antigo, contrastando com a camisa social, gravata e suéter. A barba por fazer (que me deixa ainda mais boba) parecia puro charme. Lá pelos seus vinte e tantos anos, tinha seus traços marcantes e olhos de piscina.
Ficamos nesse momento de admiração, êxtase, contraste, ou qualquer que seja a palavra, por alguns poucos minutos. Mas parecia que eu te conhecia há tanto tempo, devia ter te falado. Perguntaria como está, e o trabalho, os amigos, como foi o dia; mas pareceria muita loucura. Minha vontade era de mergulhar com unhas e dentes nos seus olhos de águas azul-claro, ondas pequeninas, e ficar morando por lá. Me inquietava, e ao mesmo tempo transmitia uma paz surreal. Naqueles poucos instantes de convivência, queria saber seu nome e quem era, o sujeito que me abalou com alguns olhares e estilo de pessoa misteriosa. Mas ao invés disso, só observei e fui observada, até o ônibus chegar.
Entrei por primeiro, segui um pouco adiante, me acomodei timidamente e cuidei para não estar muito longe de você. Te observei atentamente, com todos os sentidos possíveis. Encontrou um amigo, começaram a conversar enquanto eu tirava meus fones para escutar como era a sua voz. Meio rouca, mas gostosa de ouvir, e forte. Tranqüila, como eu imaginava. Ia falando, falando, e eu ia me afundando naquele sotaque em dia inesperado. Fechei os olhos por alguns segundos, e só ouvi sua voz. Ficou na minha cabeça, e eu nem sabia por quê mexeu tanto, marcou tanto. Não te conheço, não sei quem é, mas me permiti me embalar no cara legal que você deve ser. Deixei sentir, tocar, chegar perto. Juro, nunca me aconteceu nada tão inesperado e mágico, estranho e ao mesmo tempo tão familiar. De repente, você me parecia um velho amigo, desses que a gente não vê há tempos e sente uma saudade enorme. E acho que me apaixonei pelo seu jeito, em quinze minutos de convivência e troca de olhar com um desconhecido. Me encantei, e ficou no ar a vontade anormal de te pedir pra ficar e conversar. Talvez seja sim, carência afetiva desastrosa na minha vida. Saí de lá e sentei em um banco, com a sensação de que havia aspirado o máximo de ti, e deixado também o máximo de mim. Procurei seus olhos-piscinas novamente, e te perdi dentre tantos outros naquele terminal. "Te quero tão bem", pensei, "e você nem sabe que eu existo". Andando para o ponto de ônibus, te encontrei perdido em um dia comum. Da paixão mais rápida que eu já tive, te entreguei o mais profundo de mim sem nem ao menos abrir a boca para falar qualquer coisa, como algo do tipo:


Clarissa M. Lamega

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