Eu até que estava bem. Tava sozinha, mas bem. Sabe, às vezes vinha uma dor chata do fundo do peito que parecia tão vazio, uma dor de solidão de quem não tem em quem ao menos pensar e idealizar como a solução para um mundo mais cor-de-rosa. E eu não tinha mesmo ninguém, ninguém pra fazer esse papel tão bobo e ao mesmo tempo importante que é ser a minha pessoa. A minha pessoa, aquela que, pelo menos na minha cabeça e no oco do peito, poderia fazer o mundo desaparecer num sorrisinho tímido acompanhado de um “adoro quando você amarra o seu cabelo desse jeito”, dessa maneira bem besta mesmo. Besta, mas que a falta é capaz de me deixar idiota ao ponto de sentir falta. Só que não ter em quem pensar, não ter a minha pessoa pra quem enviar as minhas melhores vibrações, não era tão ruim quanto saber pra quem mandar todos esses sentimentos em um pacotinho de presente com um lacinho vermelho. Saber pra quem mandar e não poder mandar. Até que, conheci um cara. Numa festa, coisa de quem quer fugir da sua vida por uma noite e dançar até não saber ao certo como foi parar ali e por quê mesmo estava tão angustiada.
E dançava, dançava. E você, aquele cara legal amigo de um amigo de uma amiga, que não sabia quem era nem o que gostava e nem por que estava ali também. Dois desconhecidos, dançando juntos, dois fugitivos, correndo juntos. Veja bem, não te escolhi pra ser a minha pessoa, e não estava nem aí pra saber da sua vida e de você. Só queria dançar e beber por uma noite. Então rola de repente uma conversa banal, conversa de relacionamentos, daquelas que revela sem querer uma certa solidão, dos dois lados. Um beijo. Assim, sem esperar, um beijo de um desconhecido numa noite de fuga, o que deixou as coisas mais divertidas e um “sim, vale a pena!” chacoalha a cabeça, mas é só. Eu não esperava mais nada de você, assim como não exigia. Mas então, no dia seguinte, ligação, encontro; nos dias seguintes, ligações, encontros.
Descobri uma pessoa aonde não procurava, descobri o que eu não queria descobrir de uma forma tão gostosa de sentir. Tudo, tudo, tinha um propósito agora. Vivenciar, observar, rir e ter pra quem contar no final do dia, fazia com que eu nem soubesse quem era a mulher com um buraco no peito de antes. Tão simples e ao mesmo tempo profundo, complexo. Como explicar a atração tão grande, não apenas pela beleza do corpo, mas pelo tom de voz e pelo olhar, pelos traços das mãos e o movimento singelo dos olhos. Sim, me fazia feliz, me fazia pular de alegria, explodir meu peito que não estava acostumado a ter tanto de uma vez só. Eu mal te conheci, e já causava um maremoto nesse porto tão pequeno, que abrigava sentimentos tão pequenos. Mas a alma é grande, o sonho é grande. Quando o sonho se realiza, de uma maneira que não pode acontecer, o que a gente faz? Quero dizer, esse nosso lance, foi inesperado, foi mágico, e assustador, terrivelmente assustador. Você sabia tanto mais da vida do que eu, já havia sentindo tanto mais, tinha tantas mais histórias e experiências pra acumular, que me fazia tão pequena e indecisa. E talvez eu nem seja tão mais pequena, mas é como eu me sentia. Um pequeno porto frágil, que de repente se viu abrigando um enorme navio. E isso dá medo, medo de ganhar e ao mesmo tempo de perder. Medo de ganhar um amor tão súbito e inesperado como o de uma noite de fuga numa balada. Medo de perder tantos momentos e cenas engraçadas que poderiam vir com um sentimento que começava a crescer. E, como uma criança assustada, não sabia como sair bem dessa. O que fazemos então, quando o que pedimos tanto vem de um jeito tão errado? Talvez nem haja um jeito certo pras coisas acontecerem, mas o medo de sentir o proibido trai o coração.
Larguei, corri. Na primeira oportunidade, acabei com tudo, com seu olhar que entrava no meu como se inundasse minha alma de tantas coisas boas, minhas vibrações positivas pra que desse certo, sua risada que me fazia tanto bem, seus jeitos todos tortos e que tanto me davam prazer. Acabei com o que mais me fez sentir viva em tanto tempo. E sinto tanta falta, de uma conversa interessante de alguém que pudesse ser a minha pessoa. Mas eu quero que você escute, escute e entenda, que meu porto era frágil e pequeno demais. Meu porto era pequeno pra tanto que ia ganhar, pra um navio tão grande a aportar. Eu sei, eu sei que abandonei o barco por medo de tentar, por medo de ver a água começar a subir e não ter como fugir mais. Eu sei que se eu não ceder uma parte de mim, não posso mais ter suas conversas e um ombro largo pra encostar. Preciso que você saiba, da mesma maneira, que eu quis muito. Eu quis muito ser a sua pessoa, quis muito que você fosse a minha. Sempre imagino como seria, se eu fizesse diferente, e encarasse a tempestade nesse barquinho construído com nossas mãos tão erradas e sem direção, desde o começo.
Eu sempre tive, e acho que sempre vou ter um buraco no peito. Mas antes, eu não tinha em quem depositar esse caminhão de esperanças que carrego a duras penas. E agora, dedico tudo a você, deixo tudo pra você secretamente. Você, o cara da festa, tão errado e fugitivo quanto eu. Te entrego como um presente, só que é um presente guardado, esperando a ocasião da surpresa. Não vai acontecer, provavelmente. Mas você precisa saber, que existe alguém guardando sentimentos muito bons pra você, existe eu com uma saudade muito boba pensando em você. Não adianta mais querer remendar o que sempre foi torto. E, apesar de ser tão assustador, o meu portinho continua no meu peito, sonhando em ser maior e melhor pra abrigar o seu gigantesco navio.
Clarissa M. Lamega