Porque tudo o que foi bom, merece ser agradecido
Eu não vim aqui pra chorar, não. Chega de choro - porque meu travesseiro e meus amigos já ouviram demais e já cansaram de tanta lamúria, estão quase me dando tapas para eu acordar - , chega de sentir qualquer movimento doer. Vamos dar um fim a essa melancolia de querer tanto insistir numa história que já teve seu ápice e que terminou no meio do nada. Eu vim é agradecer, ouviu bem?
Porque há alguns dias atrás, eu ainda me achava a mulher meio intelectual demais, com uma lista imensa de livros debaixo do braço, meio triste por não saber como não deixar as coisas morrerem e com um desejo imenso de fazer alguém feliz. Porque, há alguns poucos dias, eu ainda era meio insana, meio iludida com os pontapés da vida, sem fé nenhuma de que as coisas poderiam melhorar, meio atordoada, meio cansada, meio icompreendida e totalmente vazia. Antes de você eu achava que nada daria certo, não botava fé no meu taco e, principalmente, não me sentia livre para amar. Achava que todos os homens do mundo eram completos babacas. Mas você me mostrou que não. Não você. Você foi só meio babaca. Infelizmente, e até mesmo por conta daquela risada que você solta quando me vê irritada. Há alguns dias, não conseguia encontrar nada a que dedicar minhas palavras, então parei de escrever. E você veio acentuando tudo, colocando os pingos e me dando uma vírgula. E essa única vírgula foi o que me fez não me permitir morrer desastrosamente ali mesmo, foi o que não me deixou ficar sentada na beira do asfalto. A tua vírgula foi o que fez a minha história continuar. E me achava meio desacreditada, meio piegas, meio solitária, muito descrente. Antes de você eu não sentia saudade da voz de ninguém, não tinha vontade alguma de levantar da cama no domingo e nunca havia experimentado a sensação de sair do trabalho sem a mínima vontade de ir para a minha casa. Agora, optei pela sua. Antes de você eu não sorria para as janelas do ônibus, relembrando qualquer coisa meio boba e só nossa. E quando digo só nossa, é porque nao compartilhei com mais ninguém, porque nenhuma outra pessoa do mundo entenderia o brilho disso tudo. Não dedicava meu tempo a mais ninguém, porque não havia ninguém que me deixasse disposta a atravessar os dias com um sorriso de orelha a orelha. Escrevo para ti essa carta, e que ao tocar no mesmo papel, você sinta que meus dedos passaram por essas linhas assim como passaram pela pele do seu rosto.
E agradeço cada um dos teus erros, também. Cada uma das tuas falhas - que te tornam grandiosamente humano. Porque compreendi que nem sempre gostar é suficiente, e que se doar exige uma coragem absurda. Que se doar é semelhante a deixar arrancarem-se pedaços do corpo, do coração. E o que pode ser estritamente válido para mim - como a doação - pode ser tremendamente angustiante e assustador para o outro. Só agora entendo, que doação também é morrer um pouco por alguém. Você, que já se deu tanto, e que já deixou tantos te tirarem um pedaço, pode não querer correr o risco de se despedaçar por alguém. Eu sou extremamente corajosa, entregue, até mesmo meio inocente nesse aspecto. Confio com todas as forças, faço valer, ajo e depois penso, e por isso não sei lidar com quem tem medo da vida. Desculpa por exigir tanto de você o que você não consegue controlar. Aliás, acho que você é o único homem em que eu sempre confiei, acreditei e continuo acreditando de maneira insuportavelmente ingênua. Tanto que meus amigos não paravam de me alertar dos riscos no caminho. Não me arrependo: minha confiança é tua. E ainda com tanto medo, tanto receio, você tentou forçar as tuas portas para eu entrar - da casa, do coração. Tanto que tuas maiores provas foram dizeres de 'saudades' e tantos cuidados desnecessários para a minha proteção. Mas eu não quis me proteger, queria sentir o que viesse: dor ou amor. E você não compreendia isso, só pensava no que me faria bem. Não consigo entender como alguém consegue tanto cuidar dos outros como você, de maneira que me irrite tanto. Não queria sofrer por antecedência, pensar nos males que talvez viessem, queria pensar só no que eu queria e ponto. Mas você arrancou meu ponto, e me colocou uma vírgula, aberta a diversas possibilidades. E agora, finalmente compreendi que você não pode - e nem deve - deixar de ser quem é por mim. Eu quis uma mudança tua, mas dentro do seu molde. Com teu jeito, tua cara. Essa tão bonita que me sorri de nervosa, sem saber o que dizer.
Mas não precisa dizer nada, não. Compreende o meu silêncio restrito também, por favor. Preciso arrumar maneiras de fazer tantos curativos na minha alma, e esta carta é uma maneira de te dizer que perdôo e aceito. Que tua vinda me fazia ansiar pelas ligações demoradas, e que mesmo após o término eu ainda recolho todos os doces e bons acontecimentos do meu dia e sinto vontade de te mandar embrulhado pra presente. Que faz falta a tua voz. Dizer que você me olhava, fundo nos olhos de que tanto temia - por eu ser decidida, meio obsessiva e intensa - e eu mal conseguia dissenir as coisas porque só conseguia prestar atenção no seu perfume que me deixava em transe, com vontade de mandar tudo para o espaço e ficar te olhando. Olha, eu não sei sentir raiva, me desculpe. Até eu mesma preciso me desculpar por isso, porque se no mínimo a raiva habitasse meu peito, eu poderia te esquecer mais fácil. Dizer que todas as coisas ruins você me fez embolorou as coisas boas também. Mas eu não sou assim, você sabe. Só sinto cumplicidade, um tanto de mágoa que passará em um dia ou dois e uma vontade meio idiota de querer, acima de tudo, que você fique bem logo. Por isso sou tão áspera, tão ríspida, sumo. Porque preciso me fazer entender que é hora de cuidar de mim, me forçar a tranformar a sua meia-babaquice numa catástrofe mundial.
A única coisa que eu consigo sentir, enfim, é uma coisa boa. A mesma fé que você me trouxe que as coisas dariam certo (e que continua aqui dentro). A mesma convicção de que sou intensa pra caramba, de que nada é por acaso e que ninguém precisa de ninguém pra ser feliz. Essa parte, os amigos e uma garrafa de vodca resolvem. Continua essa sensação de que eu sou mais forte do que pensava, e eu cresço internamente aprendendo que ninguém nos deve nada, por mais de que tenhamos nos dedicado a esse alguém. E que mesmo assim, podemos sorrir ao lembrar de uma piada idiota e uma sorrateira mão na bunda disfarçada. Que, ao invés de pedir, posso agradecer o quanto foi bom te ter na minha vida, te ver fazendo manha pra andar algumas quadras e reprimindo uma reclamação pelo meu atraso. E claro, sua admiração por mim, sua busca incessante por querer fazer parte. E se agora a saudade empurra algumas lágrimas dos olhos, eu enxugo com as mesmas mãos que um dia você encorajou a construir. E, sem dó, sem ressentimento, sem insistência, estão seguindo adiante com tudo aquilo que aprenderam. Me sinto bem em me saber meio intelectual, meio carente, totalmente determinada e destemida. Porque agora botei na cabeça que é a hora certa pra se despedir, e arranquei todos os medos de seguir sozinha. 'Ser feliz não dói', diz a Tati, e eu sigo. Leia essa carta com a plena certeza de que foi um bom homem para mim, e de que é um ser humano de coração imensamente incomparável. E, dessa vez, sou eu quem te suplica, com carinho: te cuida. Te cuida, porque saio da frente da sua vista com a plena certeza de que cuidei o máximo que pûde.
Te escrevo agora, sendo maior, mais confiante, e com a plena certeza de que até o que dói pode ser bonito.
Daquela que admira sua forma de viver, um beijo.
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Clarissa M. Lamega