quinta-feira, 13 de maio de 2010

A consulta


A
moça jovem chega ao consultório e já deixa antecipadamente avisado à recepcionista:
- Consulta de rotina.
Informa nome, dados pessoais e senta-se na sala de espera. Na televisão, novela das seis. Revistas sobre a mesinha de centro informam as últimas fofocas dos famosos: gravidez de tal atriz, filho de tal jogador; casamento promissor é capa dentre as notícias. A moça escuta seu nome, levanta-se e segue o médico de meia idade e aparência gentil que sorri para ela. Ela retribui o sorriso, e após uma série de "respire fundo, conte até dez, ponha a língua para fora e diga 'aah'", o médico diz que está tudo certo. Sorri novamente, dessa vez mais satisfeito e sincero.
- Não, doutor, acho que você não examinou bem.
- Sim, examinei, está tudo ok. - o médico pacientemente analisa - O que você tem?
- Eu amo.
- Não, não. Eu quis dizer aonde dói. - tentando ser compreensivo.
- Ah, que bom que você perguntou, doutor! Queria tanto falar para alguém! - diz com expressão de alívio e olhos cintilando. - Dói em tudo! Parece que se espalha por todo o corpo, que lateja em todas as direções, doutor.
- Huum, preciso fazer uns exames para constatarmos o que poderia ser, então. - o médico fica intrigado.
- Não precisa, doutor! Eu já sei o que é. Dói por todos os lados, mas o culpado é o coração.
O homem de olhar bondoso e jaleco branco se assusta ao pensar que a paciente já veio com o diagnóstico em mãos. Quem sabe, já teria passado por outros profissionais da saúde.
- Me traga seus exames, então, que eu avalio. Posso te encaminhar para um ótimo cardiologista conhecido meu.
- Ah, doutor! Não são necessários exames, os sintomas denunciam, não vê? Mãos suando, tremedeira indisfarçável, nervosismo ao falar, intoxicação por perfume gostoso, insônia, taquicardia, choro constante. É engraçado que a culpa é toda do coração besta, que não sabe amar pouco. É amor, amor tão grande que não invade só o peito como a cabeça e o corpo todo, doutor. Mas eu não sei o que eu faço. Que bom que o senhor pode me escutar.
O médico sente-se constrangido e pego de surpresa. Queria rir, mas não seria prudente na frente daquela moça que era gentil e parecia sofrer um bocado. Acho muito estranha aquela cena, e com certeza riria - se não fosse com ele.
- Em que posso ajudá-la, então? Acho que não tenho a cura pra isso - deu um risinho nervoso e sentiu que não queria estar na pele dele mesmo.
- Será que a gente vive sem coração, doutor? - seus olhos tomaram expressão vaga dessa vez, e a boca perdeu totalmente o sorriso simpático.
- Não, você sabe que se o coração parar de bater...- foi interrompido pela moça.
- Sim, disso eu sei. Mas acho que meu coração vai explodir e não falta muito, doutor. O que eu tenho aqui é grande demais para suportar, não consigo me carregar sozinha e mais esse amor gigantesco. E o pobrezinho do coração já levou tanta surra, tanta pancada! Nem sei como ainda bate. E dói muito mais continuar batendo por alguém sabendo que vai apanhar depois. Acho que ele não vai conseguir. Que eu não vou conseguir.
O médico arregalou os olhos e abriu a boca para dizer qualquer coisa que pudesse ajudar. Mas as palavras não saíram, então fechou-a novamente. A moça desviou os olhos vagos para o rosto daquele homem tão calmo, como despertando de um pensamento profundo, pôs sua bolsa no braço, levantou e saiu pela porta sem dizer nada. O médico continuou embasbacado. A moça sentiu uma lasquinha a menos de dor por saber que deixou-a largada na cadeira em frente ao médico. Ao mesmo tempo pensou que só ela saberia sentir a sua própria dor, então, suportou. Inteira.


Clarissa M. Lamega

10 comentários:

Franck disse...

O coração nós prega cada peça... e há coração de leão, de galinha (como cantou Caetano veloso)...
Sou a moça do consultório!
Beijos e um bom fim de semana!
Franck*

Anônimo disse...

também não saberia o que dizer à moça na situação do médico.
ótimo texto!
bom final de semana, beijo.

Ana Carolina disse...

adorei!me prendi nesse texto!!!

beiijo querida,
ótimo fim de semana *.*

Deyse Sales disse...

Seu blog é super fofo *-*
amei o texto,
beijos :*

http://drykasales.blogspot.com/

Amanda Arrais disse...

Felicidade é o que dá ao ler cada um dos teus textos. Um sempre melhor que o outro!

Luiza Fritzen disse...

menina, seus textos são muito bons! adoro, adoro! super originais e criativos(perdoe-me se já disse isso antes). médico nenhum dá jeito nisso, e nem remédios estão a venda pra amenizar a dor. que bom que ela suportou inteira, a gente tem mania de achar que é fatal, mas no fundo aguenta.
beijos!

Clarissa M. Lamega disse...

Obrigaada, pessoal! ai, fico tão contente de ver o quanto vocês gostam dos textos que escrevo cada vez com mais carinho. e Luiza. acho que não tinha dito, mas mesmo que já tenha falado, é sempre gostoso ouvir, haha.

beijo grande à todos!

Gabriela Furtado disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Gabriela Furtado disse...

"Será que a gente vive sem coração, doutor?" Quis isso TAAAAAAANTAS vezes. Viver sem ele, ou comprar um novo, mas nunca deu certo! =/
sempre acabo precisando dele novamente!
LIIIIINDO post, flor! Ameei
beijos
ah, tem um selo para ti lá no blog

Clarissa M. Lamega disse...

Ai, por várias vezes deu vontade de arrancar o coração. mas vale a pena ficar com ele e sentir tudo bem de perto!

beeijos, obrigada pelo selo *-*

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