sábado, 27 de fevereiro de 2010





TOQUE DE REALIDADE

E hoje, finalmente, eu senti aquela raiva destruidora que eu estava esperando e que não chegava nunca, nunca. E sem aviso, começou a se espalhar por todo o meu corpo, me lembrando aqueles arrepios que aconteciam quando eu pensava em você. Mas dessa vez era diferente, era REALIDADE, meu bem. A garotinha tola que você pensava que eu era se revelou uma grande mulher, exatamente do jeitinho que eu sou.

Então eu comecei a pensar como você sempre foi um tanto idiota, com toda essa pose de bonito, inteligente e maioral. E como eu sempre sustentei essa ilusão de que você era superior, somente pra ganhar mais um ‘eu te amo’ e mais uma noite sem brigas. Pensei em como eu sempre fui mais madura enquanto agüentava suas birras de muleque para dar mais uma chance pra gente, numa vontade de ranger os dentes de fazer birra também, só pra ver sua cara de panaca irritado.

Eu sempre preferi dar mais uma chance pra gente em vez de dar mais uma chance pra mim, sempre preferi ser uma idiota feliz do que uma autêntica sensata orgulhosa e solitária. E nesse toque de realidade me bateu hoje a sensação de como eu fui idiota de deixar as coisas chegarem nesse ponto. Eu corri tanto atrás de você, atrás de migalhas que você me deixava, eu quis tanto ser feliz que não tive tempo de parar e perceber que eu já era feliz. E olha que nem era por sua causa.

Enquanto você saía à noite pra se divertir, eu ficava em casa pensando numa maneira de te trazer de volta pra mim, sem nem ao menos cair na real de que esse não era meu papel e nem minha vez de entrar em cena. Eu pensei que o papel da idiota feliz que eu gostava de representar me fazia realmente feliz. Pensei que eu chegaria além, que nós dois chegaríamos ao nosso canto juntos. Acontece que eu te dei tudo, te dei o maior e melhor amor que eu já tive, novinho, limpo e pleno, te dei minha felicidade, minha solidão, minhas horas livres, te dei as chaves pra entrar na minha vida, te dei um espacinho no meu coração e na minha correria, te dei um sonho, te dei um motivo pra sorrir, uma chance de mostrar que você era o cara legal que eu tava esperando por toda a minha vida. E eu queria realmente que você fosse essa cara.

Você me fez muito feliz, mas ao mesmo tempo isso me causou muitas tristezas, angústias, noites sem dormir e dores de cabeça. Mas os pequenos instantes de alegria valeram a pena pelos dias de tristeza. Como nas vezes que você falava uma bobeira inusitada pra me fazer rir (o que sempre dava certo), ou quando você me lembrava como era gigantesco o nosso amor, como tudo valia a pena, quando fazíamos planos malucos pro nosso futuro, quando você me dizia todas aquelas coisas fofas e sinceras, quando você me fazia sentir especial mesmo quando eu me achava a pior mulher do mundo. Só você sabe o que eu sinto lá no fundinho, mesmo que não me diga, eu sei que você aprendeu a me decifrar como ninguém. Você sabia o que eu gostava de ouvir, sabia quando eu estava fazendo manha ou quando estava irritada. Sabia também o quanto eu me preocupava com você, mas você gostava de ser livre, não queria o peso das cobranças e das responsabilidades de um relacionamento.

Como eu sabia que um dia aconteceria, você não agüentou carregar todo esse peso, mesmo que eu carregasse a sua parte por muitas vezes no nosso caminho, mesmo que eu te desse tempo pra descansar, mesmo que eu consentisse sabendo que isso não estava no script. Você sabia o que fazer e como fazer pra sermos felizes juntos, mas talvez desse muito trabalho pra quem não estava acostumado a se dedicar tanto. Talvez naquela hora você não soubesse, mas estávamos a um pequeno passo de fazer tudo valer a pena, de colocar em prática nosso plano, estava chegando naquela cena que se chama ‘hora de ser feliz’ em que nós fazíamos os papéis principais. Você desistiu antes de sentir o primeiro sinal de felicidade leve e simples que estava prestes a tocar seu rosto.

Talvez fosse mesmo mais cômodo ser feliz no seu cantinho, com seus amigos bacanas e aquelas meninas gostosas e sem cérebro que não servem pra uma vida toda, mas que quebram o galho por uns dias, e logo depois são substituídas por outras do mesmo nível. Saiba que essa felicidade que você sente aí sem precisar fazer muito esforço eu multiplicaria por nossa vida inteira, e seria tanta que daria pra nós dois e pros nossos filhos e pros nossos netos e pros nossos amigos e pro nosso casamento. Eu só pedia em troca o que eu precisava, só pedia você. Só pedia que você se doasse, se deixasse chegar até mim, só pedia um pouco de atenção e tudo o que você era. O que você era já me bastava, me preenchia sem esforço. E por mais que você me amasse, acho que você pensou que seria arriscado demais deixar um pedacinho seu comigo, achou muito perigoso viver dentro de mim, ser comigo, iniciar um vínculo maior ainda. Você percebeu que o túnel era escuro e longo e teve medo de adentrar, de se perder, mesmo segurando na minha mão. Você sentiu o perigo, mas, ao contrário de mim, teve medo de sentir essa dorzinha, mesmo tendo uma grande recompensa no final.

E então, hoje, eu percebi como eu fui idiota de fazer todo o seu papel e o meu ao mesmo tempo, e ainda sair na merda. Hoje eu percebi como, apesar de não ter você por completo, eu conseguia ser completamente feliz. Isso porque hoje eu não tenho nem um pouquinho de você e sou completamente feliz, embora saiba que no fundo você quer ser meu pra sempre.


Clarissa M. Lamega

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