domingo, 19 de dezembro de 2010

Verdade não-dita

Imagem: Anna Gatilo


Porque para mim sempre foi oito ou oitocentos, eu queria explicar. Porque sou extremista por natureza e ando fazendo uma força excepcional e sobrenatural pra não ir embora para sempre. Porque hoje me deu uma vontade louca de fugir de tudo isso tão nosso que ninguém mais pode dar e começar uma coisa nova. Mas nada. Olho para seus olhos meio tristes e o sorriso meia-boca conformado (seu, inteiramente seu) e dou o pior dos meus piores sorrisos. O sorriso que cala ao sentir a vontade consumista de gritar. E é só isso, nesses dois minutos parados. Nesse tempo em que estamos nos olhando como se tivéssemos algo nas mãos, e fôssemos totalmente responsáveis por isso que queremos jogar em qualquer canto e fingir que nunca existiu. E seguramos juntos toda essa manta que tecemos de mãos próprias para nos escondermos da rotina e que agora só consigo pensar em queimar. Em dar embora, jogar em qualquer latão na rua e correr.
Porque eu não sei conviver com a idéia do não-ter, é o que se passa na minha cabeça de quem pensa que viveu 17 anos em 127 dias. E de quem já cansou de tanto querer pessoas inatingíveis. Alguém me explica como parar de querer? E olha, isso é um saco, deixo também de dizer quando o que transparece nos olhos simplifica. Um suspiro imenso pra arrancar todo o ar do peito, daqueles mais fundos que se pode dar, tentando expulsar tudo o que ficou de você aqui dentro. Porque, que droga, eu não quero mais. Porque eu não sei fingir e sou só a doida de pedra que fala tudo o que pensa mas que cala quando vê seus olhos de tristeza. Que desiste só porque dói abandonar os olhos dotados da capacidade de me fazer largar todas as armas e auto-defesas de que preciso pra ser corajosa - pra ser eu mesma. E só fica o choro baixinho no escuro que ninguém vê e a vontade de se mudar para o Alasca. A falta é uma péssima companhia pra mim e o conformismo enfiado recentemente na minha cabeça é o que mais me deu medo até agora, em toda a minha vida. Você entende? Não, você não entende. Você é só o cara que gosta de me contrariar e que acha os fins as coisas mais normais do mundo. Não esse fim. Não o fim que poderia não ser o fim, compreende? Sem chances de eu tentar te explicar.
Afinal eu sou só a que tem vontade de correr mil e quinhentos quilômetros com a pseudo certeza de que esse tipo de pensamento jamais me seguiria. A que tem vontade de sumir, de se tornar invisível e voltar e recomeçar e inventar. A que adora sentar em cima das coisas que dão errado e ter pequenos surtos de amnésia só para recomeçar sentindo que, dessa vez, tudo dará certo. A que não sabe fingir, que não sabe mentir, que não faz social e nem pose de madame, a que não tem medo de mostrar quem é. Nem que isso afaste todos os seres vivos do planeta de perto de mim. E por incrível que pareça, o que mais me dá medo é querer deixar as coisas como estão entre a gente. Brincar como se isso não me matasse um pouquinho por dentro. Concordar com tudo num 'fazer-o-quê?' sempre mal-estruturado. Não, nao sou eu. Quem é essa estranha que te quer por perto mesmo com suas palavras mornas que nada amenisam o susto de perder? Quem é essa que tomou meu lugar, que acredita que o que vier é bom, que tudo isso é uma maravilha do jeito que está? Cadê eu nessa história?
Eu tô segurando o que construímos com as duas mãos e te olhando nos olhos como tarefa árdua. E você segura a outra ponta já esperando meu surto pré-determinado de ir embora com aquele sorriso que bem conheço de achar tudo sempre legal, tudo sempre bom como está. E eu quero gritar no seu ouvido que não tá legal, que nada disso pode ficar assim, e que eu jamais vou ser aquela que aceita tudo o que a vida joga no meu prato. A que não engole o que vier, a que reclama das coisas fúteis e de pessoas que mantêm o sorriso do 'fazer-o-quê?' entre as orelhas. E me dá a vontade de te sacudir e te mandar jamais ser morno de novo, jamais não esperar mais nada dos seus dias, jamais me deixar ir embora do jeito que eu tô querendo ir nesse exato momento. E como um boneco, uma estátua, você continua parado com olhos de ressaca e com toda essa coisa que jamais será amor e jamais será amizade nas suas mãos como se o tempo desse um desfecho perfeito em tudo. Chega! Eu quero ir embora! Eu sou intensa, sou maluca, e a única maneira que conheço de viver é sentindo como golpes todos os sentimentos de cuidado, carinho ou proteção que atiram contra mim. Ou eu amo e sinto, ou não me importa e não sinto. Mas morno é o que mata, ficar parada é o que destrói. Esperar eu não sei fazer, e não há santo que me ensine. Não peço mais nada, não cobro mais nada, não espero mais nenhum ato ou palavra de salvação pra gente. E essa é a parte de mim que desconheço. Conviver com uma estranha dentro de mim é trezentas vezes pior do que conviver com a sua mansidão diante da vida. E tudo isso é sobre mim, não sobre você.

Clarissa M. Lamega

1 comentários:

Maria Rita disse...

"Porque eu não sei fingir e sou só a doida de pedra que fala tudo o que pensa mas que cala quando vê seus olhos de tristeza. Que desiste só porque dói abandonar os olhos dotados da capacidade de me fazer largar todas as armas e auto-defesas de que preciso pra ser corajosa - pra ser eu mesma."

Que texto é esse menina, sinto como se tivesse acabado de ler um texto escrito por mim. Me identifiquei muito!

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