quinta-feira, 4 de novembro de 2010

A carta que ela não mandou




Meu amor,

sei que te assusta, depois de meses, receber assim em tuas mãos esta carta redigida corajosamente pelas minhas. Escrevo, penso eu, para cuidar de você e de mim. Já fazem alguns dias desde nossa despedida, que demoram tanto a passar como o vazio que ficou aqui dentro. E o que eu queria te dizer é que sinto muito a tua falta. Olha: não existia poesia maior no mundo do que teu riso desarmado e doce diante do meu mau-humor falsamente forjado. Não existia nada mais alucinógeno do que teus braços me apertando forte e minha mesquinhez sendo embalada pelo som da sua risada avassaladora no sofá da sala. Dói constatar que a risada e os abraços ficaram, enfim, para trás.
Dos amores que provei, nenhunzinho sequer conseguia me fazer borbulhar o coração como o teu fez. Somente diante da tua voz que eu tremia na base, e só o teu afago enlouquecia meus neurônios. Nenhum outro foi capaz de fazer uma carinha engraçada e fofa pra me fazer rir. E eu sentia raiva, muita raiva de você conseguir me desarmar sem nem precisar abrir a boca. Bastavam teus olhos repousando suavemente nos meus pra me dar vontade de largar tudo e fugir contigo. Bastavam cinco minutos de conversa boba para eu me encantar ao ponto de pensar que não existia nada melhor no mundo. Bastava tuas mãos acariciando minhas costas para eu nunca mais querer levantar daquela cama macia. E é por isso que eu te odeio tanto, que eu acumulava uma raiva cômica dentro do peito: por saber que nenhum outro é capaz de despertar sentimentos absurdamente lindos dentro de mim - que antes de você, eu nem suspeitava que existiam.
Dói olhar para o canto do quarto e não encontrar sua blusa jogada. Dói aspirar insistentemente a manta da cama que você adorava em busca de resquícios de você e descobrir que não sobrou nada. Dói olhar pra dentro de mim e ver o tanto que você levou. Tudo que te cabia no coração, você levou contigo. Encheu tuas mãos com bons sentimentos e guardou-os nos bolsos: foi tudo contigo. Dói lembrar da mordida e não ter ficado nem uma marquinha, lembrar do perfume e não saber mais aonde achar. Dói vasculhar a casa em busca de qualquer coisa esquecida. Vasculhar os cantos do coração tentando expulsar tudo o que de seu tenha ficado, tentar respirar fundo e arejar, varrer as angústias pra lixeira. Mas, teimosas que são, não vão embora de jeito nenhum e me acompanham por todas as horas do meu dia. E saber que fica esse nó na garganta que ninguém tira. Esse sentimento de perda do peito que ninguém arranca.
Sinto tanto a tua falta que por vezes abro a agenda do celular e fico olhando seu nome listado como se assim você pudesse sentir inconscientemente que penso em você com carinho. De maneira telepática, sentir o peito arder de saudade junto com o meu. Apaguei tudo o que fosse teu do celular, dos e-mails, só fica essa angústia apertada no coração que não vai embora nunca. Qualquer coisa que me lembre de ti me força a segurar uma lágrima enrustida pronta pra rolar a qualquer momento. Qualquer cheiro parecido com o teu faz tremer a voz. Todas as vezes em que fantasio te ver andando na rua sinto um desespero tão grande como uma crise abstêmica. A saudade pulsa, a vontade de te ter mais perto escorre dos olhos. O choro baixinho no travesseiro me denuncia, os olhos inchados no dia seguinte traem a minha falsa superação bem-sucedida. O sentimento enorme por ti esmaga o peito, tira o ar e o pouco de sanidade que ainda me resta. Sinto tua falta.
Sinto tanta vontade de te ver que espero você descer do ônibus que vai para sua casa toda vez que coloco os pés naquele terminal. E quando vejo que não está lá, quase subo no ônibus rumo à sua rua pra tentar jogar lá todos os restos de você que sobraram em mim. Por vezes me dá uma vontade irremediável de te ligar e confessar: "Olha, cara, eu era muito feliz com você. Era tão, tão feliz, e agora não sei aonde diabos se escondeu a minha vontade de viver achando tudo absurdamente bonito." E querer ficar horas no telefone, mas apenas calando a voz pirada da minha cabeça que me manda te procurar. E pisando no meu coração que insiste em querer bater mais rápido quando se lembra das coisas que você me disse. Mas o que eu queria mesmo te explicar com tudo isso é que tá difícil viver sem você aqui, me apoiando e dando força. Tá difícil encarar o dia sem saber que não vai ter sua risada escancarada no meio, que o cafuné ficou pra trás, que não existe mais uma mão pra segurar. Anda meio duro aprender a continuar sem desejar tanto o teu abraço. E no fundo, eu queria que você sentisse minha falta tanto assim também. Mas sei que as coisas não são dessa maneira, e que eu sempre fui mais profunda e intensa. Acabo pagando o pato por isso também.
Mas desejo que, mesmo longe, você continue sorrindo muito. Que muitos tenham o prazer da sua conversa boba que eu fui forçada a abrir mão. Que eu aprenda a sufocar a saudade até ela deixar de ser saudade. Que quando meu telefone tocar eu não espere mais que seja você. Tudo isso para o meu bem, e para o nosso bem. E que você esteja bem, esteja feliz, fazendo o que gosta e pensando de leve em mim. Deus, como anda difícil esbanjar sorrisos por aí fingindo que nada me mata por dentro. Rezo pra que passe logo, e que só fique a vontade de querer cuidar melhor de mim - perdão pelo egoísmo, mas bem sabemos que esgotei todas as minhas energias cuidando de ti. Eu te amo, e precisava dizer que minha ausência se deve a motivos de cuidado pessoal, sem resquício de mágoas ou dor. Que o tempo alivie, enfim, a falta de ar que não me deixa respirar e ser inteira em nada.

Te escrevo com dor, e pressentimentos de que tudo há de melhorar
Da sempre sua.


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Clarissa M. Lamega

2 comentários:

Franck disse...

Saudade de receber uma carta: com seus cheiros, suas manchas, letras indecifráveis (ou não), a angústia ou o sabor da espera...
Bjs*

Gabriela Furtado disse...

Li as tuas palavras e me lembrei de vários amores e das inúmeras cartas ñ enviadas...
liindo demaaais.
beeeijooos querida:***

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