terça-feira, 4 de maio de 2010

Sofia leva uma rasteira do amor



Dois dias para pensar foi uma espécie meio estranha de tempo para digerir tanta informação em tão pouco conteúdo: três símbolos em um papel. Duas letras e um coração em um papel vermelho. Pedro queria saber o que pensar agora da melhor amiga, ou quem sabe, se estaria pensando nele agora, o que dava uma sensação gostosa no quentinho do peito. Sofia era dessas que não perde tempo com nada, e qualquer ínfimo detalhe que valha a pena é levado em conta no mesmo momento. Ela era esperta, sorridente e gostava tanto de sonhar quanto de amar. Amava com intensidade as flores, as árvores, o céu azul cheio de nuvens engraçadas, amava a parede colorida, a foto pendurada e os sorrisos na cara, amava a propaganda de TV. Amava ele.
Segunda-feira, aula, Pedro no portão esperando-a, como fazia todos os dias. Mas desta vez um clima engraçado no ar. Ele reparava até no fio de cabelo dourado fora do lugar de Sofia, e sentia uma imensa vontade de decifrar todos os códigos daquela garota misteriosa. No fim de semana, passou os dedos pelas páginas do caderno dela, procurando mais detalhes obscuros que a levassem até ele, por uma razão qualquer, escondidos entre desenhos e letras e palavras doces. Aquela letra feminina e arredondada que fazia Sofia dar tantas voltas sem sair do lugar, até que um risco fora de órbita levou Pedro a encontrá-la. Não que agora gostasse mais dela, apenas era diferente e divertido descobri-la (apesar de antes achar que a conhecia por inteiro). Sofia, sem saber do papel fugitivo do seu caderno, queria tanto ser descoberta. Seu peito se apertava em meio de tanto carinho, queria ser entregue de corpo e alma àquela sensação que lhe fazia senti-lo por perto ao fechar os olhos. Abraçava o nada como se fosse o corpo dele, beijava-lhe o pescoço na sua imaginação tão real e enganosa.
Pedro se alegrou tão rapidamente ao ver aquele sorriso nos olhos de Sofia, abriu os braços e a apertou contra si com um dos seus sentimentos mais nobres engasgados na garganta. Envolveu-a com um sorriso e braços largos e o carinho do mundo todo a seus pés. Sofia sorria e seu coração queria explodir de tanta felicidade, aquele cheiro gostoso do perfume de Pedro invadindo suas narinas e seus sentidos, tanto que ao se desvincular do abraço ainda mantinha seus olhos fechados. Ao abri-los, ele sorria divertido admirando aquela menina que não sabia nada do amor. Entraram na sala de aula com uma cumplicidade diferente naquele dia, e em todos os outros dias, aliás. Os dias foram passando assim, Pedro cada vez mais confuso e pegando gosto por aquele sorriso contagiante que era só dela; Sofia, querendo fazê-lo morar em seu peito pra cuidar dele todos os dias. Sem querer, uma nova jogada foi lançada entre aqueles dois: o gosto em estar juntos. Um dia, em um parque com os amigos, Pedro pegou seu violão na rodinha de amigos, e cantava: "Menina, vou te casar comigo/ menina, vou te guardar comigo/ sou teu gesto lindo/ sou teus pés/ sou quem olha você dormindo" olhando para a menina Sofia que ficava vermelha e não conseguia sustentar o olhar de Pedro. Ele se divertia, sua voz suave voava até o ouvido da garota, afastava os cabelos dourados e susurrava só para ela ouvir. Cantava com seus olhos cortando o verde intenso dos olhos dela, sua essência se desprendendo e querendo ficar dentro dela. Pedro não sabia o que sentia, o que pensava, mas cantou para ela naquele dia. Uma amiga que também estava lá, a Vane, mais do que pisava no coração de Sofia: entre abraços, risinhos e jogadas de cabelo, se grudava nos ombros de Pedro demonstrando todo o afeto de quem quer mais do que amizade somente. Ele ria e brincava, mas por um momento reparou no verde transparente dos olhos da melhor amiga (que não sabia mais como chamar) soltando uma lágrima escondida, logo encoberta pelas mãos e disfarçada. A gota salgada se atirou como uma flecha na direção de Pedro, atingiu-o em cheio no peito e pulsou para todas as partes do corpo como se um caminhão tivesse atropelado-o.
Sofia saiu dali e foi para casa, jogou pela primeira vez - de tantas que viriam depois - todas as angústias, o ciúme do dia, os risos de Vane agarrada em Pedro, aquele aperto desonhecido dentro do peito, tudo em cima do travesseiro, embolado no lençol da cama no meio de um choro frenético. "Amor dói" pensou, "amor dói, amor dói, amor dói". Chega de amor, queria gritar para toda a rua ouvir. Queria que amor fosse em contrato com prazo determinado, assinado embaixo e simples. Sentia tudo o que havia para sentir, e perto do fim fazia uma história com desfecho bem bonito, e depois não se sentia dor nem solidão, simples assim. Mas amor queimava, dilacerava, ardia o coração, se derramava pelo travesseiro e borrava maquiagem. Não acabava quando queríamos. Sofia resolveu lavar o corpo, entrar debaixo da água quente do chuveiro e deixar derramar para fora do corpo a voz de Pedro intrelaçada entre os fios de seu cabelo, deixou escorrer as visões de outra abraçada à ele junto com o lápis preto que saía dos olhos. Nada adiantava, nada curava. Novamente desenhou um coração entre as fumaças na parede do box, mas dessa vez apertando o dedo com força e colocando todo o sofrimento, o ciúme, a raiva. Olhou aquela figura em que toscamente acreditava, rabiscou até sumir e quis bater, esmurrar, como se isso fosse diminuir o amor que sentia até caber em uma caixa que desse pra esconder atrás das prateleiras do quarto. Sofia sofria.
O telefone toca. Ela deixa tocar mais algumas vezes, deitava entre os cobertores, devorando uma barra de chocolate (que descobria ser seu aliado contra a agonia), ainda sem decidir entre atender ou não. Sem pressa alguma esticou o corpo até a mesinha do telefone - quem sabe pararia de tocar até alcança-lo - tirou o telefone do gancho e colocou no ouvido sem dizer nada. Um alô foi dito do outro lado da linha pela voz do garoto do violão, com a humildade de quem entrega um coração pela linha telefônica.

(Continua...)

Clarissa M. Lamega

Confira a primeira parte, para ler a história desde o comecinho: http://clarissalamega.blogspot.com/2010/03/sofia-e-bagunca-do-destino-s-ofia-abriu.html

3 comentários:

Gabriela Furtado disse...

Quem nunca teve uma amizade colorida?
Amei, amei, ameio! E quero saber o resto da história...
beijo

Clarissa M. Lamega disse...

Siim, vou fazer a continuaçãozinha mesmo! Pra te falar bem a verdade, essa história eu tinha começado e abandonado há bastante tempo. Aí a Fernanda perguntou sobre a continuação, e me inspirou a terminar. Agora com esses empurrõezinos de vocês, a história vai continuar!
beijo, e obrigada pelo incentivo :)

Franck disse...

Obg pela visita, e, aqui estou...adorei os textos, sua sensibilidade...e, vou segui-la, claro! Abçs!

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