sexta-feira, 30 de abril de 2010

Diálogo pouco provável



- Tá, eu concordo em entrar nessa, mas quando eu disser "solta", você tem que me deixar ir, tudo bem?
- Tudo bem.
Silêncio.
- Sabe que eu estou gostando cada vez mais de você?
- Agora solta.
- Você ouviu o que eu disse? Eu tô gostando de você.
- Eu entendi, e também estou gostando de você.
- Então você não pode ir, percebe?
- É por isso mesmo que eu devo ir, agora mesmo! Me solta.
- Não vou te soltar.
- Foi o combinado, certo? Me deixa livre, eu preciso sair daqui. Me deixa ir, eu não posso deixar você parar de gostar de mim. E seu eu ficar aqui, é o que vai acontecer. Preciso ir antes que tudo acabe, que vire pó. Prometo te guardar de forma especial, mas me solta.
- Eu não vou te deixar ir. Não vou deixar acabar. Eu não consigo, olha. Eu não posso te soltar porque você não me solta também. Você vai ficar dentro de mim, mesmo que eu te solte.
- Chega, me larga, vai! Já não tem mais graça. Não tem graça perder e eu não preciso de mais nenhuma perda na minha vida.
- Você não vai me perder se eu não te soltar. Prometo.
Silêncio.
- Mas eu te gosto cada dia mais, sabia?
- Eu também gosto de você. E tenho medo disso.

Clarissa M. Lamega
Por onde andei?
Enquanto você me procurava
E o que eu te dei?
Foi muito pouco ou quase nada
E o que eu deixei?
Algumas roupas penduradas
Será que eu sei?
Que você é mesmo
Tudo aquilo que me faltava...


Nando Reis - Por onde andei

terça-feira, 27 de abril de 2010

Carta para minha pequena



Meu amor, perdão por não conseguir expressar a felicidade que você é capaz de me trazer todos os dias, e que há tanto eu não sei te dizer. Por todo este tempo, você tem me feito um homem que não precisa pedir mais nada à Deus, porque já tenho você e isso me basta. Eu sei que não consigo demonstrar tudo o que sinto somente nesta carta simples, até porque o papel mancha, borra e se destrói, ao contrário do meu amor por ti. A cada dia cresce minha vontade de ser mais e melhor, para cuidar de você e de mim. E dedico tudo isso à você, minha pequena. Pois saiba que pequena só no tamanho, no formato das mãos, na delicadeza - pois seu coração é gigante e pode abrigar nós dois - mesmo com o meu tamanho duas vezes maior que o seu.
Acredito que sempre estivemos ligados de alguma forma misteriosa, desde qua decidi ir àquela festa, mesmo desanimado, e te vi dançar de um jeito tão alegre que me comoveu. É complicado soltar estas palavras, mas você colocou algo especial dentro de mim, e cada dia mais foi cultivando. Perdoe também meus desastres, que você conhece bem, por não ser bom em memorizar datas e números. Sei que esqueci nosso aniversário de namoro certa vez, e ainda mais desastroso demorei a entender a importância de gravar o dia em que demos nosso primeiro beijo. Eu sei, deveria ser mais atencioso, é um defeito meu. Mas posso descrever com detalhes todos os calafrios e bombas-relógio que senti ao te ver pela primeira vez, e o dia em que te encontrei chorando e senti o peso do mundo nas minhas costas. Sei te dizer como foi nosso primeiro abraço, o primeiro sofrimento. Posso te lembrar vividamente a vez em que você me ligou de madrugada, me embaralhou a cabeça gaguejando sem conseguir dizer nada, e por fim em tom suave e macio disse 'eu te amo' e desligou, pela primeira vez. As três palavras ficaram batendo na minha cabeça, e no momento seguinte me vi na porta da sua casa, dizendo que 'eu também, também te amo, minha linda'. Consigo transcrever nossos passos, tantas coisas juntos, que me impulsionavam como uma mola para o dia seguinte. Café da manhã na cama, te olhar dormindo do meu lado, passear de mãos dadas e todas essas coisas que só fazem sentido quando se ama verdadeiramente. Para quem está de fora, acha tudo uma baboseira. Mas eu digo que não trocaria nada desse mundo por te dar um beijo de manhã ao acordar, ou dormir abraçado contigo. Seu charme de mulher decidida me acompanha em pensamento por todas as horas do dia, busco em seu sorriso um refúgio, um recanto de paz. Queria me esconder nas covinhas das suas bochechas e passar o resto da minha vida ali, sabia? Sinto seus cabelos compridos e macios, tenho vontade de te manter para sempre nos meus braços, sem ninguém mais por perto, só você e eu. Seus olhos me passam a impressão de estarem sempre sorrindo, naquele castanho escorregadio de menina sapeca. Te aperto contra mim, e que exploda o mundo, que quebre o carro, que desabe o prédio, que fechem as portas de todos os lugares do planeta, mas te deixem ali comigo. Quero ficar deitado numa rede com você e deixar a hora passar em um dia preguiçoso, quero dividir tuas vontades e multiplicar as alegrias, quero te oferecer todo o amor que houver nessa vida. Sua sensibilidade tão escondida nos seus movimentos maduros me tranforma em super-herói de um segundo para o outro: de repente quero te proteger com meus poderes imaginários, derrotar seus medos e monstros, destruir para sempre tudo aquilo que te causa mal.
Posso me tranformar no que você quiser, contando que me deixe ficar contigo. De super-herói à eletricista que conserta o chuveiro da sua casa. Quero te guardar, proteger, te amar todos os dias como nenhum outro foi ou será capaz. Te levo aonde você quiser, construo uma casa para nós dois, e te deixo morar dentro de mim. Seus pés 34 no meu chinelo 43 se arrastam pelo quarto, abro os olhos e te avisto com uma xícara de café nas mãos e minha camisa que fica na altura dos seus joelhos. Rio do seu jeito tão menina e ao mesmo tempo mulher, e não te deixo longe um minuto sequer. Se escrevo tudo isso, é porque te quero bem, minha pequena. Quero que você saiba que esse meu jeito torto de demonstrar o que sinto é porque eu sou assim mesmo, mas quero cuidar de você. Só me dê mais um dia aqui com você, um dia nosso. Amanhã eu te abraço forte, sinto seu cheiro fresco e floral, e te peço mais outro dia, meu amor. Não sei dizer o quanto te amo, raramente te digo, mas eu preciso tanto que você fique que por você eu falo tudo isso. Meu modo por vezes imaturo e imprudente eu tento consertar, meios aos trancos, para te oferecer o melhor a cada dia. Construo tudo o que você precisar para que fique, te dou até o que eu não tenho. Perdoe a minha falta de jeito para escrever - afinal é você quem me abençõa com suas palavras doces todos os dias. Tudo o que você precisa saber está escrito aqui, e o resto... bom, o resto você descobre comigo.
Te abraço forte, e te beijo.

Clarissa M. Lamega

domingo, 25 de abril de 2010

A trégüa: pausa na dor e passe livre para o amor



Quando já desisti de pedir pra Deus uma luz, uma possibilidade, um caminho, aconteceu. Quando já estava cansada vendo o mofo se acumular no peito, você apareceu. E, como não via nenhuma possibilidade de um grande história e cheia de florzinhas e coraçõezinhos há tempos até parece que escutei os sininhos e as harpas tocando para te receber dentro de mim. Arrumei a baderna, me empolguei em uma super limpeza e tirei todo o pó acumulado, a tristeza em forma de quadros tortos na parede do coração, decidi tirar tudo o que estava escondido debaixo da cama e me organizar. Me purifiquei. Você é bonito, sabe conversar e escutar, sabe aconchegar e dizer as coisas na hora certa. Faz o gosto da mulherada. Eu sei, ele fala a mesma coisa para todas, sabe como agradar e por isso mesmo agrada tanto. Sabe ser fofo, gentil e divertido. Sabe do que nós, mulheres - pobres almas tão inteligentes mas que se deixam levar - gostam. Não te culpo por ser assim, mas te culpo por me deixar gostar de você assim, sem dó da minha alma genuinamente feminina.
Mesmo sabendo de tudo isso, deixo ir levando, te deixo me roubar em uma frase gentil num dia ruim. Te deixo ser minha salvação do dia, uma alegriazinha boba que eu não sentia há tanto tempo. Sim, eu sei, esses anjinhos tocadores de harpas estão me enganando - e muito - quando me fazem seguir teus passos. Não posso querer me arrumar inteira para te receber, eu tenho é que me arrumar para me receber com o pouco de juízo que você não me rouba quando chega. Tenho que tirar o pó, sacudir os tapetes, mas tudo isso por mim. Porque eu sei que você vai embora. E vai dizer as mesmas coisas fofas para outras, e deixar o barulho dos sininhos aqui dentro no ar, ecoando, sem ninguém mais para ouvir além de mim - que vou ter que ficar me lembrando desse sorriso bonito de garoto pestinha em todas as horas do meu dia. E ainda assim eu me jogo, me direciono para você. Escalo o Everest, me jogo do precipício pela sua harmônica presença de macho alfa. Sinto falta de ver seu cabelo voando e mesmo todo desarrumado considerá-lo perfeito, sinto saudade de deixar o tempo passar abraçada contigo. Vou deixando para decidir amanhã, resolver outra hora e com mais cabeça, sendo que o racional eu sinto agora.
Mas tente me entender: quando a gente passa tanto tempo sozinhos, não é bom dar um pedacinho nosso para alguém? Se eu só desejo mais anjos, harpas, sinos, e queria dividir, não é um ticket válido para o amor? Depois de tudo o que eu já passei, eu não mereço um pouquinho de história de novela? "É, mas merecer e receber são coisas diferentes, meu bem", repito no espelho um zilhão de vezes para entrar na cabeça. "Se contente com o perfume, com os rastros de palavras jogadas, com os restos, as sobras de carinho, as palavras repetidas para tantos outros corações que se deixam enganar. Sossega, menina, segura o coração e não deixe ele voar por aí atrás de qualquer cara legal que o faça perder o ritmo. Agüenta a barra, tire as asinhas do coração, tape os ouvidos e não escute o amor. Cale o coração calejado que mendiga por resquícios de amor abandonados, deixe de ser tão impotente. Deixe ele ir, não o prenda, deixe ele enganar outras bobas e não caia nessa! Não amarre seu burrinho em cerca de malandro, não. Não pegue o passe desse brinquedo, porque ele é perigoso, fuja do bonitinho que fala coisas legais e promete carinho grátis, porque o preço é alto e de graça só a dor. Não se aventure, não queira pular de bungee jump com a corda quase arrebentando". É que mulher é assim mesmo, sabe que está entrando numa fria mas precisa tanto de amor. A gente é assim, precisa de colo, voz mansa e beijo na testa. Mesmo sabendo que o preço é alto, nós pagamos - nos descabelando, perseguindo seres atoladas de ciúmes, chorando no colo da amiga, deitada no chão do banheiro ou chorando baixinho para o travesseiro ouvir madrugadas afora - mas pagamos o preço. E talvez seja por isso que eu vá seguir os anjinhos mentirosos e os estúpidos sininhos, talvez seja por isso que eu tenha tanta certeza que eu vá entrar nessa trilha para o território inimigo: só para ter uma mão forte para segurar e uma boca em que eu possa me perder sem vontade de me achar. Mesmo sem querer, vou acabar me perdendo no inferno dos seus olhos insuportavelmente doces.

Clarissa M. Lamega



"Ela sabia que precisava dele. Pelo menos naquela noite chuvosa e sem grandes esperanças. Mas tinha medo da compulsão. De querer ele sempre e sempre e pra sempre. E amanhã e depois. E de dia, e tarde, de madrugada. E não saber digerir tanto amor e tanto amor acabar lhe fazendo mal. Só mais um pouquinho, pensou. Uma lasquinha. Pra dormir feliz. Amanhã era amanhã. Depois ela resolvia..."


Tati Bernardi
"Às vezes te odeio por quase um segundo... depois te amo mais."

Cazuza

Minha saudade, que fosse metade sua



Me diga uma coisa: como você consegue puxar minha atenção para você quando está por perto? É simplesmente impossível controlar minhas ações: como um ímã, você me chama, me guia, me atrái, me leva. Mas não me espera, jamais. Você se abastece de mim até o tanque encher, e some para dar suas voltas pelo mundo. Eu, tola, com todo o carinho do mundo te abasteço, te deixo deitar no meu colo e te dou agrado, amor, palavras doces. Você, sem motivo ou explicação, vai embora e leva os pedaços de mim junto com você. Eu fico, ao mesmo tempo, como se fosse brincadeira, sem você e sem mim. Uma tremenda sacanagem, não acha?
Pare de me levar com você, eu te imploro. Como se já não fosse suficiente eu te implorar e me jogar aos seus pés para você ficar, te peço ao mínimo pra você me deixar quando for. Me jogo no tapete do meu quarto quando você sai dizendo 'até logo, amor', e deito até dormir, até esquecer - porque eu sei que o 'até logo' vai virar horas e depois dias e sabe-se lá quando tempo mais. E do mesmo jeito, toda vez que você chega, eu te preparo um banquete, finjo que tenho um palácio e enfio tudo de melhor pra ver se você passa a morar lá de uma vez. Me preparo a cada minuto de cada dia para esperar você chegar, preparo minha alma, meus sentimentos, minha vida e meu coração - que mal se recuperou da última partida - para ser melhor e te receber melhor. Porque eu preciso tentar ser melhor para que você fique desta vez. Eu preciso que você me deixe esquecer do mundo com a sua presença tão perfeita, que você deixe os compromissos de lado para se deixar atrasar deitado comigo. Por favor, estou aqui quase beijando seus pés por um tiquinho da sua atenção, você vê? Estou aqui acabada, com o coração surrado, sem deixar de sorrir para te parecer bonita, atraente e feliz, e fingir que não preciso que você fique. Porque se você perceber o quanto eu preciso sentir seu braço e torno da minha cintura e sua voz no pé do ouvido, você vai correr de medo, mais rápido do que das outras vezes. E não posso mais deixar o coração apanhar, preciso mostrar o melhor de mim e do meu falso palácio, preciso sorrir mesmo de rímel borrado para meu ímã te atrair também.
Não vá embora ainda. Espera eu te dizer que te quero bem. Me dá um pouco de tempo para eu me abastecer de você também. Me permita tirar um pedaço de você para você sentir minha falta também e querer ficar pra sempre. Deixa eu morar dentro de você, me instalar, de invadir devagarinho. Não vai doer, eu prometo, meu amor. Ah, se você soubesse, como é te esperar todos os dias a todo momento. Minha cabeça oca se enche de lembranças boas que me fazem ficar doente e me implora pra continuar esperando mais um minuto, um dia, mais uma semana. E eu obedeço o vírus, acolho a doença que me mata aos poucos. Mas não vou te falar nada disso, e chega de preparar meu discurso porque se eu soltar uma dessas frases você vai perceber o tamanho do meu buraco, o tanto que você levou de mim, e vai sair correndo para longe. E eu só preciso que você fique mais. Não vou te deixar ver o travesseiro encharcado de lágrimas, a frases no caderno e muito menos o coração surrado. Te deixo um sorriso bonito - mesmo que falso - no meu rosto inchado por conta do choro, e te digo com carinho e cuidado: "Vem". Vem que eu cuido de você, com o amor cansado e manchado que eu tenho - mas que sabe que você precisa tanto ser cuidado agora.

Clarissa M. Lamega

quinta-feira, 22 de abril de 2010




Todos os créditos para a arte de: Sayô http://artescomtrastesetraquinagens.blogspot.com/

quarta-feira, 21 de abril de 2010

Agora



É
hora de abrir a porta, e sem desespero algum deixar entrar, envolver, cortar sem a mínima proteção. Estar nua e de braços abertos, pronta para abraçar o que vier a acontecer. Um golpe desferido - ou um alguém que me abrace - quem sabe estejam detrás dessa porta. Passos receosos caminham lentamente, e estendo a mão de doçuras mil antes protegidas para a passagem secreta que se alinha no sentir. Entrar ou não, girar a maçaneta e escancarar a porta, se infiltrar nos labirintos dos sentimentos sentidos, ou ficar presa pelo medo. Como a menina Alice, me jogo no buraco e sigo qualquer pista do coelho sem saber aonde vou chegar.
Hora de despertar, decidir, realizar, deixar inundar. Agora ou nunca. Chuva de flores ou granizo. Vou deixar a luz entrar, ou a escuridão, que seja, mas qualquer coisa que me desperte e me deixe tocar, sentir, levitar, ou correr. Preciso agir, deixar invadir, ser. Mais perto da porta, coisas mirabolantes tomam conta da cabeça, mas sem vontade de voltar atrás: quero mesmo é mergulhar de roupa e tudo nesse mar de enguias e tubarões. Ou então apenas inofensivos peixes, quem sabe. Estarei preparada e atenta para agora, para o momento final: nuvem de borboletas ou chuva de espinhos? Sem me esconder, tiro o melhor do pior. Pra você e pra mim.

Clarissa M. Lamega

terça-feira, 20 de abril de 2010

Amanhã, quem sabe


Preciso me ver livre disso, que nem ao menos sei o que é. Só sei que aperta, machuca. Meus últimos dias têm passado lentamente, com essa dor indiscreta a me incriminar. Incriminar pelo quê? Ah, se eu soubesse! Me tira o ar enquanto ando a passos largos na rua, querendo chegar logo, quase correndo para alcançar - mas não sei o que busco. Imagine a cena: você entra no ônibus, não importa se está cheio ou vazio, se você está sentado ou em pé, nem para onde vai; mas entre no ônibus. Digamos que quando ele fecha as portas, algo belisca sua barriga, e não solta. Você esfrega as mãos encima, tenta aliviar a dor, verifica se não há nada prendendo sua barriga, e não há. Mas o beliscão continua pendurado ali, e seu destino não chega nunca. É assim que tenho vivido, esperando com um aperto do tamanho do mundo em um peito tão pequeno.
As coisas vão bem, levanto, estudo, percebo que nada mudou e tudo continua um tédio - então quero regredir e dormir novamente até o dia seguinte. Tenho tudo o que busquei, o que almejei até aqui, mas queria me sentir completa, talvez até um pouco feliz depois de ter alcançado meus sonhos. Mas já espero essa sensação há dias, olho no relógio, não posso mais esperar: preciso pegar o ônibus do sufoco antes que me atrase. Tudo ao redor corre perfeitamente bem, mas por que diabos continuo com esse buraco no peito? Acho que você deveria voltar, então. Tenho tentado seguir esses dias sem você para me cuidar, e por fora me escondo em sorrisos amarelos - e tudo bem, ninguém percebe. Mas por dentro, a coisa está feia. O que me corrói é o inside, o beliscão que deveria ser instantâneo e que não passa. Pare de me apertar, quero gritar. Me solta, me deixa livre, quero um amor bonito e tranqüilo. Mas isso não existe, amor moldado ao nosso gosto nunca vai existir. Então eu te mando embora, e você vai. Mesmo vendo você correr para longe, o aperto continua, e eu desejo que você não me obedeça mais, que você fique e espere e abrace e aceite meu choro de menina acostumada com facilidades. Não quero ser embalada pela dor, então que você me embale essa noite.
Me faça uma supresa, quem sabe amanhã. Bata à minha porta. Eu preciso tanto que você venha, que entre sem pedir, que me faça entender que é assim. Tenho medo da dor, mas ignore meu pedido para você ir embora. Só diga bem alto que fica - hoje, sempre - e repita várias vezes. Me tome nos braços, me dê um susto mostrando que você vai ficar, não importa o que aconteça, e me faça acreditar. Eu preciso saber que é você quem vai me arrancar desse ônibus de sufoco, que vai tirar o beliscão da minha barriga, que vai encher meu coração. Eu preciso ter certeza que você vai atolar esse vazio de coisas boas, trazer todas as suas coisas e móveis e adaptar meu coração para morar dentro dele. Abra as janelas, tire a poeira que se acumula nos cantos, me deixe mais calma. Me beije, tire esse susto, passe toda a sua saudade através dos seus lábios, e me diga que quer ficar. Mas não me peça permissão, pois não sei a hora certa de mandar em mim, e chega de doer! Apareça com sua bagagem e fique, tem espaço no coração.

Clarissa M. Lamega

segunda-feira, 19 de abril de 2010

"Vem, antes que eu me vá, antes que seja tarde demais. Vem, que eu não tenho ninguém e te quero junto a mim. Vem, que eu te ensinarei a voar."

Caio Fernando Abreu


"Bom, feliz talvez ainda não. Mas tenho assim... aquela coisa... como era mesmo o nome? Aquela coisa antiga, que fazia a gente esperar que tudo desse certo, sabe qual?
— Esperança? Não me diga que você está com esperança!
— Estou, estou."

Caio Fernando Abreu
"Bom, feliz talvez ainda não. Mas tenho assim... aquela coisa... como era mesmo o nome? Aquela coisa antiga, que fazia a gente esperar que tudo desse certo, sabe qual?
— Esperança? Não me diga que você está com esperança!
— Estou, estou."

Caio Fernando Abreu

sábado, 17 de abril de 2010

"Se você está comigo, por favor, se entregue, atire o medo pelo décimo sexto andar. E seja você mesmo, eu te aceito. Vem."

Clarissa Corrêa
"Que seja logo porque sou do clube dos corações solitários, estou com pressa e louco para pular essa parte."

Gabito Nunes

Amor que late



Um cachorro não liga para quanto você tem em sua conta bancária ou se você é popular e bem-sucedido. Às vezes, prefiro até mesmo permanecer na companhia das minhas pequenas poodles do que de gente. Porque a única coisa que um cachorro exige de você é um afago quando você puder dá-lo, um carinho ou colo para se apoiar. Não pede, não exige. Ele não vai te julgar por esquecer de uma promessa feita a ele, por não comprar presente de aniversário, e a qualquer momento em que você chamá-lo ele irá saltitando e abanando o rabo prontamente te atender.
Minhas duas poodles são ciumentas e carentes, possuem uma alegria simples e se satisfazem com uma bolinha jogada, ou palavras meigas. Elas sentem a dor da gente, sim. Tantas vezes eu ficava quieta em um canto da casa, com o coração apertado de tristeza, mágoa ou raiva, e lá vinham as duas peludinhas pulando para perto de mim. Como quem afasta a alegria num momento dolorido, eu empurrava-as do meu colo e dizia que não, não agora. Sentindo o que se passava, elas, miudinhas mas com coração enorme, prestavam sua parcela de carinho em um gesto simples: apoiavam o focinho em meu colo, deixavam as orelhas baixas e olhavam para meus olhos com carinha de tristeza. E eu podia jurar que compreendiam tudo o que se passava, e que sofriam em silêncio comigo. Não perguntavam nem exigiam explicações, apenas deixavam todo o seu apoio de cão ali no meu colo. É como quem diz: "Ei, amiga, não sei o que está acontecendo, mas estou aqui". Amigas de focinho, narizes molhados, quatro patinhas fofas e cobertas de pelos. Bicho sabe o que sentimos, e ficam do nosso lado até a dor passar. Só o fato de ver a solidariedade de um serzinho que cabe dentro de uma caixa de sapatos já me fazia sorrir. É amor calado, sensível, que gosta de cheirar e lamber.
Lembro também uma vez que segurei uma delas no colo, para pentear seus pêlos, e a outra veio mansamente se infiltrar no espaço restante das minhas pernas. Como estava trapalhando minha tarefa, retirei a intrometida do colo e continuei penteando. Imediatamente, enciumada, ela voltou e subiu rapidinho por cima da outra - mesmo sem espaço algum - e dessa vez eu gritei pra ela sair e vi seus olhinhos tristes se afastando devagar. Fiquei com dó da pequenina e fiz um afago, ela prontamente respondeu abanando o rabinho e brincando, sem nem lembrar da bronca. Cachorro não guarda mágoa, por mais que nos descabelemos, gritemos e empurremos eles. São criaturinhas fiéis, que só lembram as coisas boas que fizemos. Já pensou se ser humano também fosse assim? Ninguém guardaria rancor no coração, e o mundo seria um mar de rosas. Companheirismo é o lema desses amigos caninos.
Cachorro não larga roupas pela casa (o máximo que você pode achar é uma bolinha debaixo do armário), não exige comida requintada nem reclama da que recebe. Ele não te pede para ir ao mercado, limpar a casa ou lavar louça. Cachorro não exige que você brinque com ele na hora em que ele quiser (mas lembre de fazer isto em algum momento). Não liga para roupas de marca, nem se você é feio ou bonito, gordo ou magro. Cachorros não ligam para bens materiais, e o máximo que pedem são um potinho de água, um de ração e um paninho velho que sirva de cama. Em troca disso, te darão uma lição de simplicidade e todo o amor que couber nos coraçõezinhos deles. E, se você for realmente esperto, vai valorizar todo esse carinho meio peludo, que vem sobre quatro patas e rabo abanando.


Clarissa M. Lamega

quinta-feira, 15 de abril de 2010




"Você devia ter feito alguma coisa para me ter. Ou me deter. Era fim de tarde. E, você sabe, eu te amava."

Fernanda Young



"Sinto falta da perdição involuntária que era congelar na sua presença tão insignificante. Era a vida se mostrando mais poderosa do que eu e minhas listas de certo e errado. Era a natureza me provando ser mais óbvia do que todas as minhas crenças. Eu não mandava no que sentia por você, eu não aceitava, não queria e, ainda assim, era inundada diariamente por uma vida trezentas vezes maior que a minha. Eu te amava por causa da vida e não por minha causa. E isso era lindo. Você era lindo.
Simplesmente isso. Você, a pessoa que eu ainda vejo passando no corredor e me levando embora, responsável por todas as minhas manhãs sem esperança, noites sem aconchego, tardes sem beleza."

Tati Bernardi
“Tem vontade de subir em cima daquele corpo e dizer ' ei, devolve. Devolve o amor que tinha aqui. Que preenchia essas lacunas no meu peito, deixando tudo menos frouxo em mim. Devolve a liga, o ponto que faz do bolo um bolo, o nó da lã de tricô. Me salva'.”

Fernanda Young

“Mulher é assim, você não sabe nada porque é freudiano demais, e Freud não entendia picas de mulher. As mulheres têm um negócio chamado "melhor amiga" que é quase como um casamento. É tão parecido com um casamento que não tem sexo. Melhores amigas vivem grudadas. Melhores amigas ficam nuas uma na frente da outra, e nenhuma das duas fica olhando pra xoxota da outra, pensando 'hum, que xoxotinha deliciosa, preciso comer'. Isso é fantasia dos homens. Melhores amigas se beijam, se abraçam, sem que isso signifique nada além de afeto, amizade.”

Fernanda Young

quarta-feira, 14 de abril de 2010

Quando o coração aperta, e a insanidade trái


P
reciso te dizer que gosto de intensidade, do que mete medo em muitos e encoraja outros. Gosto do desafio. E isto não me faz insensível, é justamente o contrário: sinto cada palavra, cada gesto cutucando bem dentro da alma, do corpo. Foi de tanto sentir que pedi mais; mais do que me faz viva, quero mais do que pode machucar mas dá aquele prazer gostoso de ter se tornado completo. Sou estilo Clarice Lispector, que sente fundo, e aprecia tontamente o sentir, tocar, pegar. De tudo o que intriga o coração, eu peço mais. Não sei bem se é defeito ou qualidade, mas por muitas vezes meu alarme de incêndio permanece quebrado, e indica ficar e sentir ao invés de sair correndo. A intensidade me machuca bem lá no fundo, aonde ninguém alcança sem perseverar bastante.
Assim como minha dor, agüento firme naquilo que quero. Tenho tanto para dar que às vezes até me perco nessa bagunça emocional. Destino tudo a você, de alguma forma incompreensível e irracional, é assim. Não tem atraso, maneira correta, desculpa boba: somente é você. E olha, se eu estou aqui parada é porque também não entendo. Se fico horas do meu dia a te espiar por aí, se te mando recados telepaticamente botando fé que em algum lugar da sua mente (ou coração) você irá entender e receber meu chamado, é porque eu também não sei. Se quero que você sinta da maneira como eu sinto, que você veja que não é culpa minha - e sim desse aperto que envolve meu coração e remexe insistentemente afim de alguma reação - é porque nem eu estou me entendendo. Intensidade machuca, sim. E quando está dentro da gente, não somos mais nós que respondemos racionalmente pelos nossos atos, mas sim ela que força uma solução imediata. Não se incomode então se eu te ligar às duas da manhã perguntando aos prantos se você gosta de mim de verdade. A culpa não é minha, e sim dessa maldita dor insana que me faz pular muros para saber o que há do outro lado. Minhas vontades me perseguem, me cobram uma resposta devidamente qualificada aos apelos do coração. E me diga, como colocar a razão na frente do coração? Ele atropela, grita para ser o primeiro, a resposta final, o ganhador. Quer ganhar um carinho, um afago, um beijo de boa noite. Ele fica espremido no peito, refugiado, clamando por uma mão forte para apertar, por uma palavra doce sussurrada no pé do ouvido, por alguém a quem pedir proteção divina antes de dormir. Quero tanto esbarrar com você em alguma esquina qualquer das milhares de ruas dessa cidade, te contar o que se passa e como as coisas podem ser. Mas me calo, enquanto o coração manda dizer que eu te amo. Seguro meu coração desesperado, dobro, guardo no bolso, e tento agir com a pouca sanidade que ainda me resta.
Desvairada, atordoada, comandada. Chego em casa e desabo todas as mágoas entre meus lençóis, e peço para que seja, que seja como o coração manda dessa vez. Que eu obedeça, que eu siga, que eu me permita sentir e te faça sentir também. Por isso estou aqui, parada diante da porta da sua casa implorando por mais do que somente migalhas. Migalhas não me satisfazem, te explico, quero o tudo ou o nada. Sentir dor faz parte, e faz agir instantaneamente. Dessa vez, sem segurar os anseios, digo tudo o que preciso, o alarme interno apita em sinal de saída de emergência mais eu continuo aqui, persisto. Te explico humildemente, secretamente, que a culpa não é minha, e sim da tal intensidade que me deixa em alerta vermelho perto de ti. Te peço amor, entrego todo o que eu puder e invento mais um pouco para te fazer feliz. A única condição - se é que ainda posso exigir estando na porta da sua casa implorando por carinho - é aceitar minha vulnerabilidade diante do sentir. Sinto profundamente, deixo cutucar, sangrar. Me expulse para sempre, ou me deixe ficar e ofereça amor fresco com gosto de cama quentinha e beijo de bom dia. Peço baixinho para somente Deus (e você, do meu modo telepático de agir) escute: que aceite, por favor, que diga sim. Que abra a porta.

Clarissa M. Lamega

terça-feira, 13 de abril de 2010

"Temos um problema geográfico. Você quer abraçar o mundo e eu ficaria contente em abraçar você."

Tati Bernardi


"Se um homem soubesse o poder que seu abraço tem ao acolher uma mulher, a segurança que ela sente, todas as melhores coisas que passam em sua mente, o quanto ela se entrega. Se ele desconfiasse que naquele momento ele a tem inteira, completa, repleta de uma felicidade extrema. Será que ele se manteria ali por mais alguns segundos? Será que a pressa de um abraço seco se tornaria próximo do que uma mulher sente? Será que ele entenderia que essa coisa tão simples, tão gratuita, dentre muitas coisas no mundo é o que a gente mais precisa, é o que nos abriga, é o que dá paz ao nosso sono?"


Cáh Morandi

segunda-feira, 12 de abril de 2010




"E eu corro no espelho de novo e repito cem vezes que não gosto de você. Não gosto de você. Não gosto de você. Porque se eu gostar de você, eu sei que você vai embora. E eu simplesmente não agüento mais ninguém indo embora. Porque nessa vida maluca só se dá bem quem ignora completamente a brevidade da vida e brinca de não estar nem aí para o amor. E eu preciso me dar bem e por isso ignoro minha urgência pelo amor. Porque, se você sentir uma urgência em mim, vai é correr urgente daqui. Chega!"


Tati Bernardi
" O amor não é uma desculpa. Você não pode justificar o ciúme com amor. Sinto ciúme de você porque te amo demais. Eu já disse isso, mas hoje veio diferente. Se eu amo demais, o problema é meu. Dizer que ama e quantificar o amor só serve para quem sente. Se eu tenho o maior amor do mundo, o mais puro e o que mais me faz feliz o problema é exclusivamente meu. Sabe por quê? Não importa o amor que eu sinto, não para o outro. Para o outro importa como eu demonstro, me comporto e vivo esse amor. O que adianta eu dizer que o meu amor é o mais puro de todos se eu não mostro isso? O amor não é uma palavra bonita. O maior problema do mundo, hoje, é esse. As pessoas acham que falar basta. Não, falar não basta. O amor não tem que ser dito, ele precisa ser sentido, senão ele não sobrevive."

Clarissa Corrêa

domingo, 11 de abril de 2010

Para ti, meu amor incondicional



Não costumo falar muito de você, sabe? Eu sei, é erro meu omitir alguém tão importante na minha vida, a quem reservo tantos pensamentos e tanto amor. Te amo muito, e te confesso que todas as noites meus pensamentos são reservados a ti, antes de dormir. Não pense que te esqueci, apesar de não falar de você para muitas pessoas - erro meu, confesso. Quando alguém tem tamanha importância no nosso dia-a-dia, nos faz querer mudar o mundo, nos dá a vontade tão rara de sermos melhores, temos mesmo é que gritar isso para o resto da rua, ou da cidade, do país! Talvez eu não saia por aí gritando que nem uma louca, mas digo aqui, e espero que muitos leiam, que EU TE AMO, assim com todas as letras, maiúsculas mesmo, enormes. Digo de ponta-cabeça, de trás para frente, várias vezes: TE AMO, TE AMO, TE AMO.
Assumo, para que todos saibam, que você é a razão do meu viver, e que tudo fica mais bonito quando estou com você ao meu lado. Adoro escutar sua voz, ela me faz querer tirar todo o mal do planeta, viver cada instante docemente, e espalhar esse sentimento gostoso por aí como criança que não se importa de partilhar alegria. E quando mesmo de longe, te sinto ao meu lado, sou capaz de fazer o que ninguém jamais acreditaria. Você me dá força, me mostra como é bom amar com tanta intensidade que me faz querer doar um pouco de amor também. Tudo fica mais bonito, pleno e suave com você por perto, vejo as coisas de uma maneira diferente, menos trágica e mais fácil graças à sua disposição comigo. Você é doce, amável, sempre segura minha mão nas horas em que penso estar sozinha. Então surge bem lá no fundo aquela sensação de que posso realizar todos os meus desejos, de que nunca estarei sozinha, e você sempre estará por perto para me amparar. E tudo isso não é mera intuição: tenho certeza, e inclusive repetidas vezes você me disse, que estaria sempre comigo. Confio cegamente em sua palavra, entrego meus medos e sentimentos para você me guiar. Às vezes, ficamos um bom tempo conversando à respeito de tudo, das pessoas, da vida, das minhas expectativas e dos nossos planos. Traçamos um caminho juntos - que prometo cumprir com a maior fidelidade possível. Você me traz tantas alegrias, tanta segurança! Um colo aonde repousar a cabeça quando eu preciso. Te chamo a qualquer momento, e sua voz leve surge para me deixar tranqüila, me acalmar e dizer que estará sempre aqui. Penso sempre em você, e queria poder espalhar essas sementinhas pra que isso cresça, cultivar, colher e espalhar em outras pessoas também esse sentimento puro. Tenho uma fé enorme na gente, e que nossa combinação só deixa as coisas melhores. Vou falar mais de você agora, prometo. Sei que você me ama tanto, quanto nenhum outro jamais amará. Um amor puro, sem mágoas (apesar de meus inúmeros defeitos), e gigantemente infinito. Ninguém mais no planeta faria tudo o que fizeste por mim, afirmo com toda a certeza.
Abro aqui meu coração, que você curou, se instalou discretamente e foi crescendo. Te guardei, te aceitei, e de repente já tinha tomado conta de mim, espalhando uma energia boa por todos os cantos de mim. A cabeça, o coração, tudo foi tomado pelo seu amor, numa fé arrebatadora. Vamos caminhar juntos daqui por diante, e eu não esconderei seu nome de ninguém. Afinal, alguém que só me deseja o bem merece meu maior grau de atenção. Repito quantas vezes for preciso: eu te amo, Jesus Cristo. Te entrego minha vida, minhas conquistas, tudo isso foi porque estava ao meu lado. Sem você, eu não sou nada. Quebrei as barreiras, e agora estou aqui, ensinando o que você me ensinou. E, se eu puder espalhar um pouquinho do seu amor para as pessoas, Jesus, já me sinto melhor. Você é minha base, meu sustento, minha felicidade. Mesmo que eu pareça uma católica alucinada, só mostro a verdade pura: você sacrificou a sua vida para me ver feliz, então o mínimo que eu posso fazer é retribuir esse amor. O mundo é maluco, deixa as pessoas cruéis, e com você eu sei que consigo mudar pelo menos uma parcela disso. Você está ao meu lado, eu sinto, e converso contigo todas as noites antes de dormir. Você sabe o que se passa dentro do meu coração, então eu fecho os olhos e agradeço. Faço uma prece, agradeço o seu amor, e prometo fazer tudo melhor. Minha fé move montanhas, estou certa disso. Portanto, digo aqui que te amo, e repito o que você sempre disse para esse pessoal cabeça-quente aqui de baixo: todos os mandamentos poderiam se resumir em um só, o mandamento do amor.


Clarissa M. Lamega
"E no meio da noite, quando eu decido que estou ótima afinal de contas tenho uma vida incrível e nem amava mesmo você, eu me lembro de umas coisas de mil anos e começo a amar você de um jeito que, infelizmente, não se parece nada com pouco amor e não se parece em nada com algo prestes a acabar."

Tati Bernardi

sexta-feira, 9 de abril de 2010

Mas obrigado por pensar em mim


Andando na rua, caminho até o ponto de ônibus em passos tranqüilos e planejados. Sigo quieta, com a cabeça entulhada de pessoas e cenas sendo revividas, reinventadas, reutilizadas. Distraída, prossigo pé ante pé, brincando de pisar dentro dos quadrados de cimento no chão. Foi então que vi, senti um baque por dentro, fui desarmada.
Parado, no ponto de ônibus, estava você de pé. Não sei por quê motivo, congelei os sentidos, te vendo pela primeira - e provavelmente última - vez na minha vida. Tudo ao redor virou câmera lenta, o sol da tarde brilhando entre as folhas das árvores, e um cara de pé que olha nos meus olhos e me deixa sem reação. Primeiro que, só pra te avisar, sou eu quem faz esse lance de olhar fundo nos olhos, então senti minha arma virada contra mim. Caí na rede, entrei numa magia momentânea gostosa e jamais experimentada. Senti um arrepio atravessando o corpo quando seus olhos azuis claríssimos apontaram para os meus. Me lembrou uma piscina, com a água quase transparente. Parecia que sua menina dos olhos era o ralo da piscina, sugando meus pensamentos, minhas ações e me deixando sem rumo. Entrou em mim de maneira inesperada, permaneci por alguns segundos em estado de choque.
Levava um fone de ouvido assim como eu, e escutava imagino que um rock mais antigo, contrastando com a camisa social, gravata e suéter. A barba por fazer (que me deixa ainda mais boba) parecia puro charme. Lá pelos seus vinte e tantos anos, tinha seus traços marcantes e olhos de piscina.
Ficamos nesse momento de admiração, êxtase, contraste, ou qualquer que seja a palavra, por alguns poucos minutos. Mas parecia que eu te conhecia há tanto tempo, devia ter te falado. Perguntaria como está, e o trabalho, os amigos, como foi o dia; mas pareceria muita loucura. Minha vontade era de mergulhar com unhas e dentes nos seus olhos de águas azul-claro, ondas pequeninas, e ficar morando por lá. Me inquietava, e ao mesmo tempo transmitia uma paz surreal. Naqueles poucos instantes de convivência, queria saber seu nome e quem era, o sujeito que me abalou com alguns olhares e estilo de pessoa misteriosa. Mas ao invés disso, só observei e fui observada, até o ônibus chegar.
Entrei por primeiro, segui um pouco adiante, me acomodei timidamente e cuidei para não estar muito longe de você. Te observei atentamente, com todos os sentidos possíveis. Encontrou um amigo, começaram a conversar enquanto eu tirava meus fones para escutar como era a sua voz. Meio rouca, mas gostosa de ouvir, e forte. Tranqüila, como eu imaginava. Ia falando, falando, e eu ia me afundando naquele sotaque em dia inesperado. Fechei os olhos por alguns segundos, e só ouvi sua voz. Ficou na minha cabeça, e eu nem sabia por quê mexeu tanto, marcou tanto. Não te conheço, não sei quem é, mas me permiti me embalar no cara legal que você deve ser. Deixei sentir, tocar, chegar perto. Juro, nunca me aconteceu nada tão inesperado e mágico, estranho e ao mesmo tempo tão familiar. De repente, você me parecia um velho amigo, desses que a gente não vê há tempos e sente uma saudade enorme. E acho que me apaixonei pelo seu jeito, em quinze minutos de convivência e troca de olhar com um desconhecido. Me encantei, e ficou no ar a vontade anormal de te pedir pra ficar e conversar. Talvez seja sim, carência afetiva desastrosa na minha vida. Saí de lá e sentei em um banco, com a sensação de que havia aspirado o máximo de ti, e deixado também o máximo de mim. Procurei seus olhos-piscinas novamente, e te perdi dentre tantos outros naquele terminal. "Te quero tão bem", pensei, "e você nem sabe que eu existo". Andando para o ponto de ônibus, te encontrei perdido em um dia comum. Da paixão mais rápida que eu já tive, te entreguei o mais profundo de mim sem nem ao menos abrir a boca para falar qualquer coisa, como algo do tipo:


Clarissa M. Lamega

So shine, ballerina


Bailarina equilibrista, é assim que eu sou. A vida, digamos assim, é uma imensa tenda de circo. Tantas e tantas pessoas se exibindo, mostrando seus dons, fazendo mágica, e os espectadores que só assistem. Então, eu me posiciono no fio de aço, seguro com fé o bastão que me equilibra, e avanço. Não assisto a vida de ninguém passando, caminho nervosa pé ante pé: prossigo.
É difícil se equilibrar quando o medo de cair toma conta. Quem sabe, nem rede de segurança me aguarda lá embaixo. Concentro todas as minhas forças em continuar, lentamente caminho na corda que balança sob meus delicados pés - que ainda possuem tantos passos a dar, em tantos lugares diferentes. Surgem imensos problemas durante o percurso, aliás este que visto de fora parece tão curto e simples. Mas ser bailarina e topar com estes problemas não é mole, não: faz tremer as pernas, querer largar aquela vara e voltar correndo para quando não existia nada daquilo. Respiro fundo, então, ajeito a saia, recomeço com calma e cabeça erguida, avanço. Imagino tantas coisas, nessa vida tão bamba, tão alta e apavorante. Mas que ao mesmo tempo é tão bela, espetacular. Sinto tomar conta uma ânsia de olhar para trás, reviver momentos, fazer diferente pra que desse tudo certo. Mas não: estou em cima do fio de cobre, não me permito olhar para trás. Bailarina equilibrista só olha pra frente, anda gentilmente em passos formosos e desenhados. Não fala bobagem, não anda para trás, não perde o equilíbrio: fina flor de jardim. Equilíbrio, no topo da vida, é o meu dilema, meu espírito e profissão. Me confio meus dons, me deixo ser como sou, mostro toda a verdade. Me admiro sendo corajosa, enfrentando a vida de cara com meus medos e ameaçada de cair a cada passo.
Repito sempre: calma, respira, tudo vai melhorar. Parece que não, mas já está melhorando, olha bem aqui. Viu? Pra que estress? Voa, fique leve, deixa ser. Tranqüila. Agora sobe naquele fio e arrasa. Desfila com toda a sua compostura e dignidade, é a sua vez. Está é a sua chance de brilhar, bailarina.

Clarissa M. Lamega

terça-feira, 6 de abril de 2010




"Como se estivesse -, eu, não você - acordado um pouco assustado do bonito que foi ter tido aquele sonho em que você sonhava comigo. Tão breve. Mas é tudo muito longo, eu sei."


"Sonhei que você sonhava comigo. Ou foi o contrário? Seja como for, pouco importa: não me desperte, por favor, não te desperto."


Caio Fernando Abreu in Por trás da vidraça

"Surdo a qualquer zen-budismo, o coração doía sintonizado com o espinho. Melodrama: nem amor, nem trabalho, nem família, quem sabe nem moradia - coração achando feio o não-ter."
Caio Fernando Abreu in Pálpebras de Neblina
“Frágil – você tem tanta vontade de chorar, tanta vontade de ir embora. Para que o protejam, para que sintam falta. Tanta vontade de viajar para bem longe, romper todos os laços, sem deixar endereço. Um dia mandará um cartão-postal de algum lugar improvável. Bali, Madagascar, Sumatra. Escreverá: penso em você. Deve ser bonito, mesmo melancólico, alguém que se foi pensar em você num lugar improvável como esse. Você se comove com o que não acontece, você sente frio e medo. Parado atrás da vidraça, olhando a chuva que, aos poucos começa a passar.”

Caio Fernando Abreu in 61: verdade interior
"Cheio de carinho, remexeu no doce, sem empurrar o prato. Preferia a fome: só isso. Pelo longo vício da própria fome - e seria um erro, porque saciar a fome poderia trazer, digamos, mais coforto? - ou de pura preguiça de ter que reformular-se inteiro para enfrentar o que chamam de amor, e de repente não tinha gosto?"

Caio Fernando Abreu in Anotações Insensatas

segunda-feira, 5 de abril de 2010

Sou bicho de sete cabeças



Não é sobre você agora, pela primeira vez. Pela primeira vez é sobre mim e para mim - mas se você prestar atenção, se realmente desejar como eu espero que deseje, vai sentir que também é para você. Sinto um aperto no peito, vontade de jogar no mundo. Uma bola de fogo na garganta que me queima por dentro, me faz arder os pensamentos, o coração, minhas mãos e minha boca. Não tem jeito mais, acumula tudo e eu preciso cuspir essa bola de palavras de fogo, que ferem e ao mesmo tempo mostram a verdade. Minhas palavras machucam, são cuspidas para as pessoas todas do mundo, são jogadas sem medo, como se eu fosse um dragão ou qualquer outro ser que precisa ferir para viver. Nem ao menos faço de propósito: te juro que seguro ao máximo minhas frases e palavras plenas de sentimentos misturados, mas elas me queimam inteira por dentro, e preciso jogá-las para fora de mim. Ferem a mim, aos outros e a ti. Sou um dragão, bicho feroz por natureza, sem intenção de machucar porém incumbido de fazê-lo.Meu fogo arde e queima, e já se tornou comum ferir. Meus defeitos me fazem inteira, plena, e ao mesmo tempo me destroem. Sou bicho arisco, toque com cuidado, me segure da maneira certa.
Não acordo cedo, então não me peça para acordar com meus olhos te vigiando. Eu sei, é romântico e gostoso, talvez vez ou outra eu te surpreenda assim. Demoro para levantar da cama, me espreguiço e continuo deitada por um bom tempo ainda. Cozinho bem, mas em raras ocasiões tenho vontade de preparar um jantar especial. Fico de pijama até depois do almoço, normalmente, uso minhas pantufas cor-de-rosa com lacinhos sem pudor algum. Não espere uma reação imediata minha: tenho o desastroso defeito de demorar a analisar o que sinto. Penso, repenso, toco, viro, abro, especulo por dias para resumir em gosto ou não. Não me peça pra apressar meu tempo, apenas let it be, deixa ser. Tenho a maior calma do mundo, porém não me intimide errando várias vezes no mesmo ponto - finjo que não, mas sofro calada e acumulo tudo por dentro. Tenho medo de acumular minhas fraquezas e jogá-las em você, então apenas me abrace forte pra eu me recuperar e me acalmar no cheiro da sua nuca. Decodifico expressões, mãos e olhos e muitas vezes dou suposições ciumentas e erradas, te julgo mal por pensamentos que me enlouquecem. Meu ciúme pula na cabeça e amarra minhas mãos, me deixa brava e chorona. Cuspo palavras, firo, e me arrependo em seguida. Perdôo facilmente, mas não pense que esquecerei. Tenho um coração gigante, aonde o ar que circula é puro amor, mas que não se entra tão fácil. Tenho receio da entrega, do presente, mas se você persistir, conhecerá o meu mais íntimo. Cuidado aonde toca, nao quebre nada, nenhum elo ou confiança, entre com sutileza. Tenho medo do que desconheço, mas a partir do momento em que te deixo abrir o portão, girar a maçaneta da porta, me dou de corpo, alma, coração. Agüente firme, no começo parecerá uma enchurrada de sentimentos, coisas bonitas e outras nem tanto, sede e querer mais, mas logo acostuma. Tenho pavor, e ao mesmo tempo essa fome insaciável de amor, de bem-querer. Entrego minha confiança total, mas ela também é retirada facilmente. Não sei mentir, muito menos para agradar. Não te confiarei nada que eu pense que você não suportará. Não sou muito tolerante, cometo erros por medo, e às vezes fujo também. Corro para longe e ataco com minhas sujeiras e palavras de fogo.
Sou tão profunda que me perco dentro de mim, mas te entrego esse mapa para que você também não se perca. Entre com cuidado, coragem e disposição. Se essa for a sua vontade, se quiser me ter de verdade, siga as instruções e persista. Te entreguei meu mais íntimo pensamento, minha torre que me sustenta, meus defeitos. Saiba utilizá-los a seu favor, e peço que trate eles com atenção. Tome cuidado comigo: sou um dragão que cospe palavras de fogo. Sou um dragão cansado de amar errado, então por favor, se depois de tudo isso ainda aceitar minhas partes erradas e tortas, peço que continue. Me ame por inteiro, conheça o mel e o espinho. Só não desista no meio do caminho, não você ao menos. Chega de buracos no peito. Se ainda estiver disposto, enfrente. Em frente.

Clarissa M. Lamega
"Boas e bobas, são as coisas todas que penso quando penso em você. Assim: de repente ao dobrar uma esquina dou de cara com você que me prega um susto de mentirinha como aqueles que as crianças pregam uma nas outras. Finjo que me assusto, você me abraça e vamos tomar um sorvete, suco de abacaxi com hortelã ou comer salada de frutas em qualquer lugar. Assim: estou pensando em você e o telefone toca e corta meu pensamento e do outro lado do fio você me diz: estou pensando tanto em você. Digo eu também, mas não sei o que falamos em seguida porque ficamos meio encabulados, a gente tem muito poder de parecer ridículos melosos piegas bregas românticos pueris banais. Mas no que eu penso, penso também que somos mesmo meio tudo isso, não tem jeito."

Caio Fernando Abreu in Carta Anônima
"Coisas assim, algumas ferem, mesmo essas são sempre bonitas. Parecem filme, livro, quadro. Não doem porque não ameaçam. Nada que eu penso de você ameaça."

Caio Fernando Abreu in Carta Anônima

domingo, 4 de abril de 2010

Um coração para dois, por favor



Reparou que seu rosto estava um pouco mais amarelado, com as manchinhas da pele destacadas e olheiras conquistadas por dias de internamento. O cabelo já não sabia mais o que era ar livre, o sorriso já não tinha tanta vivacidade. Deitado, naquela cama de hospital, está um jovem rapaz doente, e de pé, ao seu lado, aquela que talvez poderia ser sua esposa. Mas quem sabe não dê tempo deste dia chegar, só no pensamento. Já cantava Cazuza: "o mundo é um moinho, vai triturar seus sonhos tão mesquinhos". E ela sentia na pele cada palavra dessa frase, ao olhar para aqueles olhos azuis tristonhos.
Doença traidora, não deu chance de uma história bonita continuar a se desenrolar pelas avenidas tortas da cidade - e foi parar em um quarto branco de hospital. Ela, a garota morena de olhos grandes e bochechas salientes, apoiou o rosto na cama e aceitou um afago do cara legal da festa da amiga. Ele olhava para ela, já maltratado pelo problema no coração, e tentava dar o seu melhor sorriso, fazendo-a mergulhar no mar falso de tranqüilidade dos seus olhos. Ela lembrou de como ele a fez rir naquela festa, de como valeu a pena ceder à tentação de um beijo roubado, e então música, palavras, noite estrelada, uma chance. Aceitaram a chance, e por isso estavam ali. Ao pensar nisso, deixou escapar duas lágrimas silenciosas pelo rosto, enquanto apertava cada vez mais forte a mão carinhosa dele. "Por que você?", pensou com mágoa na alma. "Não podem te levar de mim, não é justo".
- Shhh... não chora, não. - ele disse, limpando os olhos da morena com delicadeza.
- Não podem te tirar de mim, não agora! Por que você? - ela fala chorando cada vez mais descontroladamente, sentindo o peso do mundo todo nas costas.
- Calma, amor... A gente não pode fazer nada, não dá pra escolher o que vai acontecer com a gente. Segura a minha mão. Olha pra mim: vai dar tudo certo, confia em mim.
- Você tem tanta coisa pra viver ainda! Olha aonde te colocaram, nesse quarto horrível de hospital, enquanto você poderia estar vivendo como qualquer outra pessoa comum. E a nossa vida? Não sabemos se poderemos ter filhos, se vamos conseguir nos casar e tomar café da manhã juntos, se vamos conseguir dançar novamente. Não podemos viajar juntos sem que seu cardiologista te persiga a cada duas horas, não podemos ficar sozinhos nem sair de casa para nada. Eu quero ter você pra mim. - ela diz, olhando fundo nos olhos azuis em que busca uma resposta, uma cura vinda de não se sabe onde mas que se tem fé que chegará.
- Eu amo você, sabia? - seu rosto pálido se contraiu em um sorriso - Tudo vai ficar bem, deita aqui comigo.
Ela deitou ao lado dele, numa cama apertada para um romance tão grande, tão bonito e ironicamente cheio de vida. Um coração saudável e um doente, lado a lado competindo juntos em uma maratona de cem metros.
- Aceita um coração doente? - ele passa seus braços ao redor dela e lhe dá um beijo na testa.
A garota de olhos espertos espia as paredes do quarto apertado e sem graça do hospital aonde tem passado boa parte dos últimos dias, e ri timida e falsamente sabendo que não havia a menor graça. Sente seu coração sendo apertado pelos músculos do peito, como se estivesse inchado e sendo sufocado - como se estivesse doente. Sente vontade de correr pelo planeta todo atrás de um médico decente que pudesse curar o coração dele, sente vontade de gritar forte até sumir a voz, faria qualquer coisa só para tê-lo por perto por mais tempo. O tempo destrói e arrasa; a falta de tempo também. Ela aperta os dedos nos braços dele, como se fossem arrancá-lo dela. Pelo menos, era o que sentia que ia acontecer, dali a semanas? Dias, talvez.
- Se eu pudesse - parou no meio da frase com um seco na garganta, engasgou com as palavras na cabeça que faziam-na ficar tonta - Se eu pudesse, te daria o meu coração. Dividiria com você, faria o que fosse possível pra que você vivesse mais comigo. Podia acontecer tanta coisa bonita, sabe?
- Já está acontecendo. Desde que você apareceu na minha vida. Eu não reclamo de nada, porque ter você aqui comigo é a única coisa que eu mais queria - e está acontecendo. Você já me deu seu coração, eu sei disso, eu sinto. Mesmo doente e fraco, o meu está pleno de amor por ti. Ele bate por você, então fica comigo.
Ela deixa escorrer mais lágrimas que repousam no peito dele, encosta sua cabeça naquele quentinho acolhedor e ouve o "tum tum" já meio descompassado e mais fraco que da última vez que escutou. "Injusto, mil vezes injusto! Tem tanta gente má nesse mundo, tanto ladrão, malandro, assassino, por que escolheram você?", pensava com raiva. Tinha tanto amor no peito, tanto amor naquele quarto, naquelas vidas. Tanto amor que algumas pessoas jamais sintam em suas vidas inteiras. O monitor dos batimentos cardíacos apitava regularmente indicando pulso estável, podendo classificar também como vida a salvo, ou qualquer termo que aliviasse a dor da linda morena. Com o amor em mãos, os corações temporariamente a salvo, ela mergulhou no azul dos olhos do rapaz e beijou ternamente seus lábios, com ardor e paixão. Encostou novamente a cabeça em seu peito e continuou a vigiar seu fraco coração. Coração cheio de amor pra dar - mas que infelizmente não aguentasse tanto, que corre o risco real de explodir. "Mas, se fosse pra morrer assim", ele pensou calmo, "morreria feliz. Morreria amando".





Clarissa M. Lamega

quinta-feira, 1 de abril de 2010

Parabéns pelo nosso dia



Digo talvez com a maior tristeza que eu já tenha sentido, mágoa e desprezo: parabéns pelo nosso dia. Somos ladrões na noite, mascarados de um carnaval que dura o ano inteiro, fugitivos da lei, somos mentirosos. Escondo meu rosto para não ser descoberta, e em contrapartida você esconde seus sentimentos para não ser ferido. Everybody lies.
Somos complexos, difusos, amantes desconfiados. Estamos em um jogo de pôquer, aonde o disfarce é o que decide a partida. Saiba esconder tuas verdadeiras cartas e sairá vencedor - é o que dizemos a nós mesmos. Mas o amor, esse não é um jogo de mentiras. Os dois lados perdem. Difícil é fazer entender a mim e a ti o que só o tempo mostra: a verdade, por mais que doa, é quem reina. A verdade machuca, rala, faz ferida, mas cicatriza. E deixa experiência, compaixão e até mesmo o perdão. Eu minto que não quero te ver, não hoje, não agora, e corro pro banheiro derramar litros de lágrimas. Você prova de outras bocas que não sejam da minha, e finge a maior felicidade do mundo. Jogamos palavras falsas no ar, discutimos quem é o certo e quem é o errado, sabendo que não existe nem um e nem o outro. Eu te vejo e não me aproximo, te estudo de longe e gravo tudo na mente, planejo estratégias ilusórias de uma aproximação atravessada pelo ego. Não troco palavras, minto falta de interesse quando o que eu mais faço é te observar. Sei a maneira como você se senta e como age quando está nervoso, sei das tuas caras e das suas máscaras. Sei como você é de verdade, longe dos amigos machões e de toda a pose imposta a você. Sei que quando estou perto de você, você gosta de sentir o cheiro do meu cabelo, de leve, mas finge que não. Eu pego suas fotos e te sinto profundamente em mim, te escondo como criança debaixo dos lençóis pra ninguém ver o tamanho do meu amor. Amasso, dobro, aperto meu amor pra ele caber em uma caixinha minúscula, sendo que ele poderia ocupar o espaço do planeta inteiro. Quero que ele seja menos amor, que seja menor e mais desprezível do que realmente é. Quero colocar ele embaixo da cama e fingir que não existe, jamais te deixar vê-lo.
Ao mesmo tempo, quero que você mostre as suas cartas. Diga a verdade e não esconda nada: você me ama? Queria poder chegar bem perto de você, e olhando bem fundo nos seus olhos estonteantes, questionar quase silabicamente: "vo-cê-me-a-ma?". Pois eu te amo. Sem mentiras, desta vez. Sem máscaras. Um príncipe de mentira, com castelos de mentira, a gente consegue suportar na boa. Mas uma história de mentira, um amor construído por palavras e jogos sujos de mentira, não.
Somos vigaristas, corruptos, quebramos as regras e fazemos tudo ao contrário. Mas hoje é 1° de abril, e dizem que a mentira é tolerada nesse dia. Ao menos uma vez ao ano, somos parabenizados por esconder o que queríamos mostrar. Tem alguma coisa nos seus olhos que me convence a remar, mesmo num mar sem vida, então eu relevo e sigo adiante com nosso relacionamento de papel. Digo, com aperto na garganta e sentimentos pulsando por todas as partes do corpo, sincera e amarguradamente: parabéns pelo nosso dia. Pelo menos hoje o mundo é nosso.

Clarissa M. Lamega


"Deus, põe teu olho amoroso sobre todos os que já tiveram um amor sem nojo nem medo, e de alguma forma insana esperam a volta dele: que os telefones toquem, que as cartas finalmente cheguem."


Caio Fernando Abreu
"Pois como já dizia Drummond, 'o amor car(o,a) colega esse não consola nunca de núncaras'. E apesar de tudo eu penso sim, eu digo sim, eu quero Sins."

Caio Fernando Abreu
 
Só enquanto eu respirar. Design by Exotic Mommie. Illustraion By DaPino