terça-feira, 30 de março de 2010

Vou te sonhar comigo


Sabe que esses dias tive um sonho muito estranho contigo?
Abri os olhos e vi um céu azul cheio de nuvens grandonas e arredondadas, branquíssimas, como se desse pra pular nelas. Senti uma mão no meu cabelo e me assustei, congelei os sentidos de medo. Um sorriso de ponta cabeça se desprendeu na minha frente, seus grandes olhos apareceram piscando pra mim, numa serenidade tão grande que logo me deixou tranqüila. E o azul do céu rodeando seu rosto que sorria por inteiro, me dando a maior alegria do mundo. Eu estava deitada no seu colo, seu cheirinho pairava acima do meu rosto, você brincava no meu cabelo, ria e beijava minha testa, de ponta cabeça. Você me pediu pra levantar, então levantei e me preparei para a próxima surpresa, na maior vibe de calmaria, só nós dois num lugar lindo: grama verdinha, árvores, campo e algumas poucas flores. Surge no meio do sonho um carro, e aí tudo fica confuso: você entra rapidamente no carro, seu sorriso vira arrogante e malicioso, pisa no acelerador e vem na minha direção. Sinto meu corpo inteiro formigar, e apago ouvindo o barulho do motor do carro correndo pra longe.
Acordo meio tonta vendo um teto branco, olho para os lados e vejo várias pessoas deitadas em macas, concluindo que era um hospital. Você estava sentado numa poltrona de visitante, vê que eu acordei e chama rapidamente médicos para dar as boas novas. Eu me confundo mais ainda com sua reação enérgica e feliz, então não entendo mais nada. Suas roupas e seu cabelo pareciam diferentes, era outro dia longe do acidente, eu devia ter dormido por muito tempo. Tudo parecia bem, então sinto um quente escorrendo no peito. Levanto o lençol e vejo sangue manchando a roupa, sinto o coração bombeando e parecendo explodir no peito, me apavoro e grito seu nome, "socorro!". Você continua calmo, mas agora com uma expressão de piedade no rosto, passa a mão no meu cabelo e diz que está tudo bem, baixinho e várias vezes. Com uma crueldade anormal diante do meu pavor, eu continuo gritando e vejo médicos e enfermeiras com o mesmo olhar solidário dizendo que "só eu poderia fazer parar".
Então, de repente o cenário muda para uma sala toda vermelha, com um relógio vermelho na parede e um sofá no mesmo tom. Vejo um bilhete com a sua letra (jamais esqueceria dela: meio torta, mas simpática, com o seu jeito) aonde está escrito: "Volto logo, amor, não se preocupe." Passo os dedos no bilhete e sorrio, dou umas voltas no lugar e não vejo nenhuma janela ou porta na sala carmim. Por onde você entrou? Como deixou o bilhete? Por que eu estava ali, afinal? Por que não me ajudou quando eu estava sangrando? Por que diabos me atropelou? Mistério. O vermelho da sala me dava nervosismo e raiva, sentei na poltrona de frente para o relógio e descobri que estava parado. Que horas eram? Há quanto tempo eu estava ali? Não sei, mas tenho o péssimo hábito de relacionar sonhos à vida real, principalmente quando acordo suando e respirando forte.
Você sempre me atropela. Não, não precisa nem sair do lugar: basta um gesto seu, uma frase suspeita para meu coração acelerar, o planeta todo tremer, eu me sentir sufocada, o corpo perder os sentidos, e babau, já era. Você - e só você - tem o poder de me atropelar como um trem me esmagando entre os trilhos, me deixando tonta e burra (coisa que ninguém mais é capaz). Num instante é terno e carinhoso; no outro, frio. Não entendo por que me atropela e vem me cuidar no instante seguinte. Me detona, e logo depois se torna o cara mais protetor do mundo. Me vê ali, acabada, cansada e com o peito explodindo, sem fazer nada. Torno a repetir: amor é via de mão dupla, amor de um lado só não flui. Amor atropelado, escrachado e ferrado - infelizmente - é o único que me deram até hoje. E por isso eu cuido bem dele, mesmo sentindo-o vazar do peito de tão grande que é. E a sala, aah, a sala! A promessa de volta, certo? E te espero sentada, te espero fingindo que estou lendo um livro, te espero enquanto tomo banho e me arrumo, te espero olhando para a janela, sentada na sacada ou vendo uma novela que nem acompanho só para fingir que não te esperava, quando você chegasse. O relógio nunca anda, não corre, só continua parado. A hora não passa e te espero todos os segundos dos minutos das horas de todos os dias. Atropelada pelo amor ou não, ferida ou não, sentindo o amor sufocar ou não, sangrando ou não, trancada numa sala ou descabelada, fingindo mil coisas, pensando em sonho doido ou ficando maluca: mas te espero. De corpo, alma, braços e peito abertos, no meio da rua da sua casa. Mesmo que doa, mesmo que você passe por cima de mim, mesmo se não puder acordar no seu colo com seu sorriso de ponta cabeça no meio do azul, mesmo sem te dizer tudo isso: te quero. Hoje, sempre, amém.

Clarissa M. Lamega

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