domingo, 28 de março de 2010

Amar o mar

A
ndou devagar pela rua deserta na noite menina que fazia lá fora. Cantava como quem espanta a vida; espantava todo aquele que vivia. O problema mesmo era o espanto, a vontade de sair correndo. Andava até sentir nos pés uma fofura: a areia. Tirou as sandálias e brincou com os dedos que curtiam os grãozinhos fazendo coceguinhas de leve. Caminhou sozinha na praia com a cabeça bem pra longe, sentiu nos dedos os dedos do outro, mas era só impressão mesmo. Levantou os olhos e viu o mar, Omar que beijava a praia. O mar não sabe o que é amar - pensou com delicadeza de mulher. Deixou que beijasse seus pés suavemente como homem que descobre devagar o corpo dela, abriu os braços e os dedos sentindo o vento abraçar-lhe todas as curvas, até as mais despercebidas. O cabelo bagunçava e se misturava à paixão da maresia que invadia-lhe as narinas, de olhos fechados sentindo o prazer de deixar-se levar. Entrava lentamente na água da praia deserta, recebia de presente peixes e conchas do mar que se apaixonou pela bela. Ondas pelas pernas finas fazendo carícias geladas, o mar comandando um ritual que se estendia debaixo das estrelas que mais pareciam purpurinas jogadas em camurça azul-marinho. Seus olhos brilhavam, ela jogava água nos cabelos, no pescoço e ventre, se entregava ao mar com pureza de menina e desejo de mulher. Girava com os braços na água olhando para a lua cheia, branquíssima e plena de tudo. Também queria ser plena, inteira, completa. Queria amar, estava fazendo carinho no mar e sentia preencher as lacunas do peito ali. Um céu brilhante e as oferendas de amor de cada um, da menina e do mar. Se doou, se entregou, amou, deixou, desatou o nó, abriu a porta, voou, correu, escapou, deixou invadir e invadiu, deu carinho e recebeu carinho entregue na pele, amou da forma mais extraordinária. O mar beijava com ternura suas mãos, boca, pele mansa e se enroscava suavemente em seus cabelos. Deixou-se seduzir e se encantou pela beleza inevitável das águas doces e lindamente puras (porque de salgado o mar só tem o nome). Fugiu, inventou, deu uma chance e sorriu sem fim nos mistérios do mar. A felicidade, o potinho de ouro no final do arco-íris, estava naquele que nunca poderia lhe machucar. Naquela noite, ela aprendeu a se doar com leveza. Soube do amor, do desejo e da entrega. Talvez até re-amar. Ensinou o mar a amar.

Clarissa M. Lamega

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