sábado, 20 de fevereiro de 2010

Seu rosto tem o gosto meu

Eu sinto falta de uma mão pra apertar, sabe? Não peço mais do que um ombro largo para apoiar a cabeça e braços que me apertem como um imenso laço e terminem enroscados na ponta dos meus dedos. E passar horas e horas assim: só no nosso cantinho pra tirar um pouco a cabeça do mundo. No ritmo do mundo, do semáforo aberto que faz pulsarem os carros, do escritório, do documento atrasado, da hora marcada, eu adoro perder a hora com a cabeça enconstada no seu peito. E seguindo apenas o ritmo do seu coração pulsando. Nada de carros, papéis atrasados ou tempo; e me perco e me embalo e fecho os meus olhos e escuto o "tum tum, tum tum". Forte. É a única força que acaba com o peso do dia, e de uma quarta-feira enjoativa e apressada. Por um instante, é eu e você, tudo borrado pros lados, pro meio, pra cima e pra baixo, tudo vazio e sem sentido. O que importa é saber que seu coração tá forte por mim, que ele bate ritmado e grande para que continuemos apertados um contra o outro. Nós contra o mundo.
E de olhos fechados, sinto o calor do seu peito me deixando leve, seu braço que escorre seguro ao longo do meu inteirinho, até o finzinho, seus dedos que acariciam as costas da minha mão como se fosse a tarefa mais importante e bonita que poderia existir. Me entrego ao seu ombro largo feito pra uma cabeça lotada dos problemas dos últimos dias, que saem voando sem dar satisfações quando sentem sua grandeza de homem. Assim, com a cabeça inclinada, sinto um suavíssimo e delicado beijo dado com carinho e total atenção na minha testa, um beijo demorado e uma mão grande e desastrada de homem que assume sua forma mais sutil ao tentar recolocar uma mecha de cabelo fugitiva atrás da minha orelha.
Nós somos fortes e grandes assim, e temos o melhor dos sentimentos ao nosso favor. Escuto sua respiração calma e tenho certeza absoluta que te tenho todo pra mim naquele instante. E espio por um olho, vejo seu rosto tão sereno desejando apenas continuar ali por mais um tempo, ao mesmo tempo em que meu corpo e minha alma querem te devorar e tirar um pedaço e guardar dentro de mim. Quero um pedaço disso que eu não sei o que é, mas que parece tão bonito quando você me dá. A melhor parte do meu dia, ninguém pode roubar. Eu passo meus dedos entre os seus cabelos de anjo e beijo a sua buchecha com aquela sua barba que eu tanto gosto e que me espeta, e quero te roubar só mais um pouquinho pra mim. Passo meus dedos finos fazendo o contorno por entre os seus, e quero que o amor nunca acabe. Somo nós, ali, contra o mundo. Mas agora deixa só eu encostar mais um pouquinho no fortinho do seu peito.

Clarissa M. Lamega

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