sábado, 16 de janeiro de 2010


Pra onde você levou meus lápis de cor?


Tudo azul, tudo perfeito – é o que eu repito todos os dias enquanto acordo e levanto mais um dia sem você. Que céu lindo, olha o solão que tá fazendo hoje – e como seria tudo mais lindo com você do meu lado. A gente não consegue ter tudo o que deseja, não é? É.

Enquanto eu entro na minha rotina, logo imagino o que você deve estar fazendo. Me espreguiço, faço um café, e todas as coisas sempre são um mais ou menos que nunca me completam. Poxa, tô começando a achar que, quando você foi embora, levou mais do que uma malinha de recordações e felicidades nossas. Levou também todas as cores e o brilho que minha vida tinha com você. E ver tudo preto e branco acaba se tornando muito chato.

Então, eu acabo me acostumando. A gente não devia se acostumar com o mundo, com as bilhões de coisas lá de fora, com a solidão. Tudo fica meio, e a gente se acostuma, toma um café e se conforma. Você viu, um cara morreu com um tiro na cabeça porque devia dinheiro de cocaína pra um traficante. Aham, eu vi sim, igual aqueles outros. Sabe aquele homem maravilhoso que eu te falei? Foi embora. E a gente chora um pouco, mas logo lembra que a vida continua te empurrando e que não dá tempo de parar.

Você era tudo o que eu sempre quis, acho que eu nunca tinha sido tão feliz assim com ninguém. Tudo era maravilhoso, acordar com uma mensagem sua era a coisa mais mágica, como se as letrinhas saíssem voando do meu celular e flutuassem ao meu redor. E pra tudo eu sorria, e me animava, e fazia e cantava. Você transformou minha vida num punhado de confetes soltos no ar; desses coloridinhos e cheios de alegria. Eu amava te ver e fazer qualquer coisa com você, e sair da rotina e largar todos os meios. E então tudo era inteiro, tudo era cheio, uma felicidade completa.

Tão completa e cheia que uma hora estourou. Eu tentei juntar os pedacinhos e remendar, mas nem tudo é fácil assim. Agora, você levou os nossos inteiros e deixou tudo pela metade de novo. Eu não falo o quanto eu sinto sua falta, o quanto você me faz bem e nem o quanto as coisas ficaram cinzas. Só levanto a cabeça e dou um sorriso amarelo pra vida e pro mundo. Agora somos amigos, não é ótimo? Não. Porque eu continuo persistindo nessa coisa suja que sobrou, ainda quero mais e mais dessa sujeira. E você diz o quanto me adora, e que seremos amigos pra sempre, e blábláblá. E a cada palavra eu tenho vontade de jogar tudo no lixo e tentar ser inteira, inteiramente sozinha. Cada palavra sua pinta um pouco mais minha existência, me lembra o quanto tudo é vazio desse jeito como está. De tão acostumada com o sem cor, nem reparava mais em tudo aquilo que você me mostra ser lindo. Mexe com o mundo, trucida todos os monstros e chatices da vida, mexe com o coração e torna a rotina uma coisa melhor, numa simplicidade enormemente assustadora. E nessa mudança repentina de ambiente e sentimento eu me abasteço da sua magia. Essa graça toda que você me proporciona me faz sentir mais meio ainda, meio feliz, meio acostumada, meio bonita. Afinal, somos bons amigos, e só bons amigos, não é? Bom mesmo é se isso fosse verdade. Se eu não soubesse que cada pedacinho seu implora por um outro meu, e que mesmo assim somos amigos.

E nessa ilusão habitável que você cria em mim, já tenho um mundo próprio, o problema é que só entro ali com as sua chaves. Meus olhos pedem desesperadamente pra você morar ali comigo, meus sentidos piram imaginando o barulhinho das chaves balançando. Mesmo assim, ainda estamos aqui parados. O que eu queria mesmo é poder olhar pra você e mandar você ficar comigo, mostrar que estamos perdendo tempo e que a felicidade está do nosso lado esperando que você segure-a. Não, não diga que vai pensar, não pare pra raciocinar, apenas fique comigo e pinte o meu mundo inteiro com suas manhas e mágicas, me faça sorrir pros carros e pras janelas e para as árvores, me deixe boba assim. Eu sei que é o que você também quer, então chega desse lance de amizade que só funciona em filmes. Eu sei que você completa os meus meios e eu completo os seus, então vamos ser completos juntos. Mas mais uma vez eu só levanto a cabeça e dou meu sorriso amarelo pro mundo e pra quem mais quiser ver.

Eu saio com outros caras, e até que fico bem. Mas aí eu chego em casa e vejo o e-mail que você me mandou quando eu tava com outro. E eu sinto que mais uma vez fiquei pela metade, e que tudo o que você escreveu ali me deixou mil vezes mais feliz do que sair com outro cara. Então, eu me acostumo.

Chego em casa, faço minhas coisas e vou dormir repetindo mais uma vez: “tudo azul, tudo perfeito”, como um ritual. E, na verdade, o que eu mais queria era um dia poder estufar o peito e dizer isso sem remorso algum.


Clarissa M. Lamega

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